Como diria o jornalista Mauritônio Meira, separando e saboreando cada sílaba, está “sen-sa-ci-o-nal” a briga entre o presidente da República e o Supremo.
Como todos sabem, devido a declarações de um deputado, os três Poderes acabaram se envolvendo num conflito delicado e perigoso, pois ninguém sabe aonde isso pode levar, institucionalmente.
Há muitas ocasiões na vida em que a melhor solução é ficar quieto e fingir de morto, aguardando os rumos dos acontecimentos antes de se tomar uma posição.
E o Supremo estava procedendo assim, como se realmente existisse um pacto de silêncio em torno do decreto imperial de Jair Bolsonaro, baixado para anular a prisão, a multa, a cassação e a inelegibilidade do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ).
Entretanto, na manhã desta terça-feira, dia 26, o silêncio foi quebrado quando saiu publicada uma decisão interlocutória do ministro Alexandre de Moraes, a primeira tomada por ele após o decreto de Bolsonaro.
Com isso, o enredo da trama institucional ficou ainda mais surpreendente e intrincado.
Na decisão, o relator dá 48 horas para a defesa de Silveira se manifestar sobre o indulto e sobre o descumprimento de medidas restritivas por parte do parlamentar, que na opinião de Moraes ainda estaria obrigado a usar tornozeleira eletrônica, apesar de sua prisão ter sido anulada.
Até aí morreu Neves, como se dizia antigamente.
Era esperada uma forte reação de Moraes, conhecido por seu pavio curto.
Com esta decisão, o ministro deixou claro não considerar que o decreto presidencial já esteja em vigor.
Ora, se Silveira precisa usar tornozeleira, é sinal de que a graça concedida por Bolsonaro seria do tipo vacina e não pegou…
Ou seja, Moraes se apressou, imprudentemente, porque o Supremo ainda não determinou a suspensão ou anulação do decreto – algo que ainda está longe de ser decidido, se é que será…
O decreto está valendo, é claro!
Assim, na ânsia de reagir, Moraes se enrolou todo, ao simplesmente desconhecer a existência do decreto de outro Poder, um ato discricionário que está legalmente em vigor, até que o Supremo se manifeste.
Em seguida, outra grande surpresa, porque nessa decisão interlocutória Moraes tomou outra importantíssima iniciativa, ao afirmar que o indulto não livra Silveira da inelegibilidade.
No entendimento do ministro, que está juridicamente corretíssimo, qualquer que seja a avaliação feita pelo STF a respeito do decreto, o ato de Bolsonaro não anularia a inelegibilidade do deputado, porque é determinação estipulada pela Lei da Ficha Limpa.
“Ressalte-se, ainda, que, dentre os efeitos não alcançados por qualquer decreto de indulto está a inelegibilidade decorrente de condenação criminal em decisão proferida por órgão judicial colegiado”, decidiu Moraes.
Ao defender essa tese, que está rigorosamente dentro da lei, o relator Moraes pode estar dando um golpe de morte na candidatura de Lula da Silva e de outros condenados na Lava Jato, como Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e tantos outros.
O fato concreto é que as decisões do Supremo que beneficiaram Lula – incompetência territorial da 13ª Vara Criminal de Curitiba e parcialidade do então juiz Sérgio Moro – não sepultaram as duas condenações dele, confirmadas por unanimidade pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e um delas teve decisão unânime também no Superior Tribunal de Justiça.
Ou seja, se Daniel Silveira está inelegível por ter sofrido condenação colegiada no Supremo, o ex-presidente Lula se encontra na mesma situação, porque em democracias a lei tem de valer para todos.
Carlos Newton. Jornalista.