A Receita Federal iniciou uma devassa sobre a TV Globo em 2020, distribuindo multas milionárias e autuações a diversos artistas. A Receita alegava que a emissora e os artistas utilizavam contratos firmados entre suas empresas e a Globo para prestação de serviços artísticos, caracterizando uma manobra para pagar menos impostos. O fisco argumentava que, ao contratar os artistas como pessoas jurídicas (PJs), a Globo permitia que eles se beneficiassem de alíquotas de imposto de renda mais baixas, ao invés dos 27,5% aplicáveis a pessoas físicas com rendimentos mais elevados.
No entanto, o STF tem consistentemente considerado que essa prática, conhecida como "pejotização", não é ilegal. Em uma decisão emblemática de dezembro de 2020, na Ação Declaratória de Constitucionalidade 66, o Supremo julgou que é constitucional e lícita a utilização de pessoas jurídicas para reduzir encargos fiscais, previdenciários e trabalhistas.
Em agosto de 2023, o Ministro André Mendonça anulou um auto de infração e um procedimento administrativo fiscal que miravam a contratação, pela Globo, da empresa LP-LAZ, do ator Lázaro Ramos. Essa decisão considerou que a Receita Federal desrespeitou entendimentos do STF sobre a "pejotização". A decisão está em segredo de justiça no STF.
Recentemente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) apresentou um recurso contra essa decisão. Porém, Mendonça reafirmou seu entendimento a favor da Globo em seu voto no julgamento virtual da Segunda Turma do STF, que será concluído em 24 de maio. Esse tipo de julgamento permite que os ministros apresentem seus votos eletronicamente no sistema digital do STF. Além de Mendonça, a Segunda Turma é composta pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Edson Fachin e Kassio Nunes Marques.
A decisão de Mendonça não é um caso isolado. Outros ministros do STF, como Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes, já haviam tomado decisões semelhantes em processos que também envolviam a TV Globo e artistas de renome. Entre os artistas beneficiados estão Reynaldo Gianecchini, Deborah Secco, Maria Fernanda Cândido, Susana Vieira, Irene Ravache, Tony Ramos, Marcos Palmeira e Mateus Solano.
A decisão de Zanin foi referendada pela Primeira Turma do STF, com votos favoráveis de Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Esse julgamento ocorreu em dezembro de 2023, quando a cadeira de Rosa Weber ainda estava vaga. Por outro lado, a decisão de Moraes ainda está sendo analisada pela Primeira Turma, com o julgamento virtual também programado para ser concluído em 24 de maio.
As decisões dos ministros do STF em favor da Globo têm amplas implicações tanto para a emissora quanto para a Receita Federal. Por um lado, essas decisões reforçam a legalidade da "pejotização", permitindo que empresas contratem serviços artísticos através de pessoas jurídicas. Isso pode resultar em economias fiscais significativas para as empresas e os artistas.
Por outro lado, a Receita Federal pode ter que revisar sua abordagem e procedimentos ao lidar com casos de suposta sonegação fiscal envolvendo contratos de prestação de serviços artísticos. A insistência do STF na constitucionalidade dessas práticas pode limitar a capacidade do fisco de impor multas e autuações em situações semelhantes no futuro.
Além disso, essas decisões sublinham a importância do entendimento jurídico sobre a "pejotização" e sua aplicabilidade no Brasil. O reconhecimento da legitimidade dessas práticas pode encorajar outras empresas e profissionais a adotar estruturas semelhantes para otimizar seus encargos fiscais e trabalhistas.
As decisões favoráveis à Globo são vistas com alívio por muitos artistas e empresas que operam sob modelos de contratação similares. Entretanto, elas também levantam questões sobre a equidade do sistema tributário brasileiro e a eficácia das políticas de fiscalização da Receita Federal.
Críticos argumentam que a "pejotização" pode ser usada para evitar o pagamento justo de impostos, prejudicando a arrecadação pública. Defensores, no entanto, apontam que a prática é uma resposta legítima à alta carga tributária e complexidade do sistema fiscal do Brasil.
Enquanto o julgamento virtual da Segunda Turma do STF prossegue, a expectativa é que mais decisões venham a consolidar ainda mais o entendimento favorável à "pejotização". A Receita Federal, por sua vez, pode ter que ajustar suas estratégias e buscar outras formas de garantir a conformidade fiscal sem desrespeitar os precedentes estabelecidos pelo Supremo.
A decisão do Ministro André Mendonça, assim como as de outros ministros do STF, representa um marco na disputa entre a TV Globo e a Receita Federal. Com a reafirmação da legalidade da "pejotização", o Supremo Tribunal Federal não apenas protege os interesses da emissora, mas também estabelece um precedente importante para a contratação de serviços artísticos no Brasil. As implicações dessas decisões continuarão a reverberar, influenciando práticas empresariais e fiscais em todo o país.