O comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, classificou como “erro coletivo” uma publicação de 2018 do então comandante da Força, general Eduardo Villas Bôas. Na época, Villas Bôas utilizou as redes sociais para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) na véspera do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em entrevista ao jornal O Globo nesta sexta-feira, 7 de junho de 2024, Paiva refletiu sobre o episódio e destacou a mudança de postura das Forças Armadas desde então.
“Acho que nós erramos. Não vou julgar também o comandante anterior, a quem eu tenho toda a lealdade. Acho que é um erro coletivo”, afirmou Tomás Paiva. Na época do post de Villas Bôas, Paiva era chefe de gabinete do comandante do Exército e, portanto, se considera corresponsável pelo ocorrido. “Eu era chefe de gabinete e sou corresponsável por isso, apesar de ser um outro momento político. Agora, não houve pressão no Supremo. O Supremo não se pressiona”, acrescentou.
Em abril de 2018, às vésperas do julgamento de um habeas corpus que poderia evitar a prisão de Lula, Villas Bôas fez uma publicação nas redes sociais que gerou grande repercussão. Na mensagem, o general afirmou que o Exército “julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade”. O comentário foi amplamente interpretado como uma forma de pressão sobre o STF, o que gerou críticas sobre a interferência dos militares na política e no Judiciário.
A declaração de Villas Bôas foi vista por muitos como um posicionamento explícito das Forças Armadas contra a concessão do habeas corpus a Lula, reforçando a ideia de que os militares estavam atuando como atores políticos em um momento delicado da democracia brasileira. Naquele contexto, a intervenção de um comandante militar em um processo judicial envolvendo um ex-presidente foi considerada um grave precedente e um sinal de alerta sobre a necessidade de manter as Forças Armadas apartadas da política.
Tomás Paiva assumiu o comando do Exército poucos dias após os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram e vandalizaram os prédios dos Três Poderes em Brasília. Desde então, Paiva prometeu afastar a política dos quartéis e promover um ambiente de respeito à Constituição dentro das Forças Armadas. Segundo ele, a lógica prevalente na caserna atualmente é a do “cumprimento do que está previsto na Constituição”.
“Isso está cada vez mais consolidado. Esse é único caminho que temos na direção de ser um país moderno. Estamos atuando firmemente no cumprimento da missão constitucional, no trabalho profissional e no afastamento da política”, afirmou Paiva.
A mudança de postura das Forças Armadas reflete um esforço para recuperar a credibilidade e a neutralidade política da instituição. Desde a redemocratização do Brasil, os militares têm procurado se manter afastados das disputas políticas, embora episódios como o de 2018 e os eventos de 2023 tenham levantado dúvidas sobre essa separação.
A declaração de Paiva sobre o “erro coletivo” é um passo importante nesse processo de recuperação. Reconhecer publicamente que houve um erro na atuação das Forças Armadas em um momento crítico ajuda a reforçar o compromisso com a legalidade e a neutralidade política. Além disso, a fala do comandante atual demonstra um respeito ao Estado de Direito e ao papel do STF como guardião da Constituição.
Ainda assim, a sociedade brasileira continua vigilante quanto ao papel dos militares na política. Os desdobramentos dos últimos anos, especialmente os ataques de janeiro de 2023, mostraram que há grupos dispostos a desafiar a ordem democrática e utilizar as Forças Armadas para fins políticos. A resposta firme e o compromisso de líderes como Tomás Paiva são essenciais para garantir que esses movimentos não ganhem força.
A reflexão sobre o episódio de 2018 e a postura adotada pelo comando atual do Exército indicam uma tentativa de aprendizado e evolução. A defesa da democracia e do cumprimento da Constituição são pilares fundamentais para o desenvolvimento de um Brasil moderno e justo. Afirmar e consolidar esses princípios dentro das Forças Armadas é um passo crucial para a estabilidade política e institucional do país.