Uma recente revelação trouxe à tona um escândalo que promete intensificar o debate sobre o papel das instituições brasileiras nas investigações que envolvem figuras políticas de destaque. Mensagens obtidas e divulgadas pela *Folha de S.Paulo* indicam que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), utilizou de forma irregular o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para investigar bolsonaristas no âmbito do inquérito das fake news, que tramita no STF.
As mensagens expõem uma colaboração não oficial entre o gabinete de Moraes e o departamento de combate à desinformação do TSE, que era presidido por ele durante as eleições de 2022. Segundo as informações divulgadas, o TSE teria produzido relatórios que embasaram decisões de Moraes no Supremo, revelando um possível uso indevido da Justiça Eleitoral para fins que ultrapassam suas atribuições.
A *Folha de S.Paulo* teve acesso a mais de 6 gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp entre auxiliares de Moraes, incluindo seu principal assessor no STF, Airton Vieira, e Eduardo Tagliaferro, então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE. As mensagens mostram que, de forma informal, o gabinete de Moraes orientou o TSE a elaborar relatórios específicos contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, que foram posteriormente utilizados no inquérito das fake news no STF.
Esse intercâmbio entre os dois tribunais sugere uma sobreposição de funções que, de acordo com especialistas, pode configurar uma violação das normas processuais e dos princípios de independência entre as esferas do Judiciário. A Constituição brasileira estabelece a separação clara entre os papéis do TSE e do STF, e a revelação de que o primeiro teria agido sob orientação informal do gabinete de um ministro do segundo gera preocupações quanto à legitimidade das decisões tomadas com base nesses relatórios.
Durante as conversas obtidas pela *Folha*, um clima de tensão entre os envolvidos é evidente. Em uma das mensagens, Moraes expressa frustração com a lentidão na execução de suas ordens, a ponto de questionar seus assessores: “Vocês querem que eu faça o laudo?”. Em resposta, um dos assessores comenta que quando Moraes “cisma”, isso se torna uma tragédia, ressaltando o ambiente de pressão dentro do gabinete.
O juiz instrutor Airton Vieira e o perito criminal Eduardo Tagliaferro foram identificados como os principais intermediários das solicitações de Moraes ao TSE. Tagliaferro, que liderou o AEED durante as eleições de 2022, renunciou ao cargo em maio de 2023, após ser detido sob acusação de violência doméstica. Em resposta às revelações, Tagliaferro declarou que cumpria todas as ordens que lhe eram dadas e que não se recorda de ter cometido qualquer ilegalidade.
As implicações dessas revelações são vastas. Primeiramente, elas levantam dúvidas sobre a legalidade das decisões tomadas por Moraes no STF que foram fundamentadas em relatórios produzidos pelo TSE sob sua orientação informal. Além disso, as mensagens sugerem que o TSE pode ter ultrapassado seu papel como órgão eleitoral, assumindo uma função investigativa que, segundo especialistas, não lhe compete.
Os envolvidos, incluindo o próprio ministro Moraes, não responderam aos questionamentos feitos pela imprensa até o momento. A assessoria do STF foi procurada, mas não se manifestou sobre o conteúdo da reportagem, assim como o juiz Airton Vieira. O silêncio das partes envolvidas aumenta ainda mais a expectativa sobre o desdobramento desse caso, que pode trazer consequências significativas tanto para a credibilidade das investigações quanto para o próprio funcionamento das instituições jurídicas no país.
Políticos aliados a Bolsonaro e críticos ao Supremo rapidamente reagiram à divulgação das mensagens. Para eles, as revelações reforçam a tese de que as investigações contra bolsonaristas têm motivações políticas e são conduzidas de forma parcial. Parlamentares já articulam a criação de uma comissão para investigar as supostas irregularidades, o que pode acirrar ainda mais a já conturbada relação entre o STF e o Congresso.
Enquanto isso, juristas e analistas políticos avaliam que o episódio expõe fragilidades no sistema de freios e contrapesos do Brasil. A utilização do TSE como uma extensão do gabinete de um ministro do STF, caso confirmada, poderia significar uma distorção grave das funções de ambas as instituições, comprometendo a separação de poderes que é um dos pilares da democracia.
À medida que novas informações sobre o caso possam surgir, a pressão sobre Moraes e os demais envolvidos deve aumentar. A forma como o STF e o TSE responderão a essas revelações será crucial para determinar se esse episódio marcará apenas mais um capítulo na polarização política do país ou se terá impactos mais duradouros sobre o funcionamento das instituições brasileiras.