Dino a Musk: “Tamanho de conta bancária não gera imunidade”

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu duras críticas ao bilionário Elon Musk durante a sessão virtual da Primeira Turma do STF, nesta segunda-feira. Dino, em um voto que já começa a reverberar nos círculos jurídicos e políticos, defendeu a necessidade de que o Brasil mantenha a suspensão da plataforma X (anteriormente conhecida como Twitter), decisão essa que vem gerando intensos debates sobre liberdade de expressão e o papel das grandes empresas de tecnologia.


A origem da controvérsia remonta à determinação do STF para que a Starlink, empresa de Musk que opera a infraestrutura satelital do X, suspendesse a operação da plataforma no Brasil. A ordem foi motivada por preocupações com a disseminação de desinformação e discursos de ódio, que, segundo o STF, estariam sendo facilitados pelo funcionamento irrestrito do X no país. No entanto, Musk e sua equipe têm resistido à determinação, alegando que as normas brasileiras violam a liberdade de expressão e os direitos de seus usuários.


Em seu voto de oito páginas, Dino foi incisivo ao rebater o que considera ser uma tentativa de Musk de se colocar acima das leis brasileiras. “Poder econômico e o tamanho da conta bancária não geram uma esdrúxula imunidade diante das leis”, afirmou o ministro. Dino enfatizou que o Brasil é um Estado soberano, com normas jurídicas que devem ser respeitadas por qualquer empresa, independentemente de sua influência global. Ele foi categórico ao afirmar que "as normas brasileiras não podem ser ignoradas por uma empresa por mais poderosa que ela imagine ou deseje ser".


Flávio Dino, conhecido por seu posicionamento firme em questões de regulação digital, argumentou que empresas como a Starlink têm responsabilidade não apenas perante seus acionistas, mas também perante as sociedades onde operam. “Uma empresa que efetua ou protege agressões, recusa-se reiteradamente a cumprir ordens judiciais, foge deliberadamente das suas responsabilidades legais, despreza a ética inerente à saudável convivência entre as pessoas e suas famílias, atraindo o acionamento de um legítimo regime de restrições e sanções”, frisou o ministro em seu voto.


Além das críticas à postura de Musk, Dino fez uma analogia com uma situação hipotética para ilustrar sua posição. Ele comparou a recusa da Starlink em suspender o X com uma concessionária de rodovia que se recusasse a interromper o tráfego para impedir a fuga de criminosos perigosos. Para o ministro, permitir que a empresa escolha quais ordens judiciais cumprir seria tão absurdo quanto permitir que criminosos continuassem livres sob o pretexto de garantir sua liberdade de locomoção.


Outro ponto levantado por Dino foi a “seletividade arbitrária” que ele enxerga nas ações de Musk. O ministro destacou que, em outras jurisdições, como Índia e Turquia, o bilionário acatou prontamente ordens de remoção de conteúdo, o que para Dino evidencia que a resistência no Brasil não é uma questão de princípio, mas sim uma decisão política. “Essa seletividade amplia a reprovabilidade da conduta do empresário, colocando-o na pura politicagem e demagogia”, afirmou.


Dino também criticou o que chamou de “inaceitável paradoxo” nas operações das redes sociais. Ele argumentou que plataformas como o X estabelecem seus próprios termos de uso, exercendo um poder de fiscalização sobre os conteúdos, mas quando o Estado tenta aplicar suas leis, é acusado de censura. “Os termos de uso privados teriam mais legitimidade do que os ‘termos de uso’ emanados dos órgãos delegatórios da soberania popular”, questionou Dino.


Para o ministro, é essencial que exista uma governança digital pública em um cenário onde poucas empresas detêm um imenso poder sobre a informação global. Ele alertou para os riscos sistêmicos que essa concentração de poder pode gerar, destacando que os “autocratas privados” não devem se esquivar de suas responsabilidades legais e éticas. “A verdade é que a governança digital pública é essencial, num cenário de monopolização e concentração de poder nas mãos de poucas empresas, acarretando gravíssimos riscos de as regras serem ditadas por autocratas privados”, concluiu Dino.


Com o voto de Flávio Dino, o placar na Primeira Turma do STF está em 2 a 0 a favor da manutenção da suspensão do X. Agora, resta aguardar as manifestações dos outros três ministros que compõem a Turma: Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Luiz Fux. A decisão final terá implicações profundas para a relação entre o Brasil e as grandes empresas de tecnologia, podendo estabelecer um precedente significativo sobre a aplicação das leis nacionais em um mundo cada vez mais digitalizado e globalizado.

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