Moraes confessa, mas o 'prejuízo' para cidadão já aconteceu


Em um julgamento que repercutiu no cenário jurídico e político brasileiro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu a ausência de provas concretas contra Vitor Manoel de Jesus, um jovem de 23 anos, acusado de envolvimento nos atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro. Vitor, morador de rua em São Paulo, foi absolvido por Moraes, que destacou sua condição de extrema vulnerabilidade como fator determinante na avaliação do caso.


O julgamento, que teve início na última sexta-feira, trouxe à tona questões sobre a participação de pessoas em situação de vulnerabilidade nos eventos que marcaram a tentativa de invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília. Alexandre de Moraes, relator de vários processos ligados ao caso, enfatizou que Vitor não possuía discernimento suficiente sobre o que se passava à sua volta. "Não há provas de que o denunciado tenha integrado a associação criminosa, contribuindo para a execução ou incitação dos crimes e arregimentação de pessoas", afirmou o ministro. Segundo Moraes, o jovem sequer compreendia conceitos como "golpe de Estado" ou "deposição de governo", ressaltando que a falta de provas robustas e o estado de vulnerabilidade de Vitor eram suficientes para justificar a absolvição.


De acordo com o depoimento prestado por Vitor Manoel de Jesus, ele vivia nas ruas de São Paulo antes dos eventos de janeiro e aceitou a oferta de uma mulher para viajar de ônibus até Brasília. Sem perspectiva de melhoria de vida e vivendo em situação de extrema precariedade, ele teria aceitado a viagem acreditando que poderia encontrar uma oportunidade melhor na capital. "Em São Paulo, estava difícil a situação. Diante da situação que eu estava, qualquer lugar estava bom", declarou Vitor ao tribunal.


O jovem relatou ainda que, ao chegar a Brasília, permaneceu nas imediações do Quartel General do Exército, onde buscava abrigo e alimentação. Durante o período em que os atos se intensificaram, ele alegou ter acompanhado a multidão até o Senado, mas afirmou que não participou de depredações ou incitações. "Eu só fiquei orando", explicou Vitor, reforçando que não possuía qualquer envolvimento com os atos de vandalismo ocorridos naquele dia.


O caso chamou a atenção pela história pessoal de Vitor, que revelou ter crescido em um orfanato após ser abandonado pela mãe. Sem referências familiares ou políticas, ele destacou que nunca teve contato com discussões sobre política, seja na rua, seja no orfanato onde passou a maior parte de sua infância e adolescência. "Não falavam de política no orfanato onde eu cresci", comentou ele em seu depoimento, argumentando que sequer compreendia as motivações políticas que levaram milhares de pessoas a Brasília para protestar.


A Defensoria Pública da União (DPU), responsável pela defesa de Vitor, apresentou uma série de argumentos que reforçaram a falta de envolvimento do jovem nos atos de depredação e violência. Além de destacar a situação de vulnerabilidade social e econômica, a DPU apontou que nenhuma evidência física, como material genético, foi encontrada nos locais vandalizados que pudesse ligar Vitor diretamente aos atos de destruição. "As provas disponíveis dizem respeito apenas aos supostos organizadores dos atos, e não a pessoas como Vitor, que estavam presentes por motivos totalmente alheios ao movimento", defendeu a DPU.


O julgamento do caso de Vitor Manoel de Jesus ocorre no âmbito do plenário virtual do STF e está previsto para ser concluído até o dia 18 de outubro. A expectativa é de que os demais ministros sigam o voto de Moraes e também absolvam o jovem, uma vez que os argumentos apresentados até agora indicam uma clara falta de provas que justifiquem sua condenação. O desfecho do caso, no entanto, levanta questões mais amplas sobre a participação de pessoas em situação de vulnerabilidade em eventos políticos e a responsabilidade do Estado em garantir que essas pessoas não sejam usadas como massa de manobra.


Embora o voto de Moraes tenha sido favorável à absolvição, o caso trouxe à tona o debate sobre os prejuízos já causados ao cidadão comum que, sem entendimento ou participação ativa nos atos, acaba sendo arrastado para investigações e processos judiciais demorados. Vitor, por exemplo, passou meses detido e enfrentando o peso de uma acusação grave, o que trouxe danos à sua já fragilizada condição social.


A confissão do ministro sobre a ausência de provas contra o jovem, portanto, não repara completamente o prejuízo sofrido. O caso de Vitor Manoel de Jesus serve como um alerta sobre a necessidade de critérios mais rigorosos e cuidadosos na análise de quem de fato esteve envolvido nos atos de 8 de janeiro e quem foi simplesmente um espectador acidental, sem qualquer responsabilidade sobre os eventos que ocorreram naquele dia.


Ao final, o julgamento de Vitor deve se transformar em um símbolo de como o sistema judicial brasileiro lida com a vulnerabilidade social e a proteção dos direitos daqueles que, muitas vezes, são deixados à margem da sociedade e acabam se tornando vítimas de circunstâncias sobre as quais não possuem controle. A decisão do STF nos próximos dias será crucial não apenas para o futuro de Vitor, mas para a construção de um precedente sobre a aplicação de justiça em casos envolvendo pessoas em situação de vulnerabilidade.

Postagem Anterior Próxima Postagem