Após o período eleitoral, é inevitável refletir sobre os rumos da política brasileira e a influência do que alguns chamam de “direita permitida”, uma configuração moderada que parece ser o limite atual para a oposição conservadora dentro do sistema político nacional. Essa tendência para o centro representa uma mudança no espectro político, que ao menos deixou de estar exclusivamente sob o domínio da esquerda. Contudo, na prática, essa guinada tem pouco efeito, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, cujas decisões possuem poder determinante, ainda mantém um viés progressista e de esquerda, especialmente devido à sua composição majoritariamente nomeada por governos do PT.
Ainda que haja quem vislumbre essa mudança como uma vitória, é essencial olhar além das aparências e entender que a verdadeira barreira para o avanço está no próprio sistema federativo brasileiro. A estrutura federativa do país não apenas engessa o desenvolvimento, como impede que o Brasil atinja seu potencial econômico e social, condenando-o a um eterno ciclo de estagnação. O que muitos chamam de “sistema” é, na realidade, um emaranhado de regras e competências mal distribuídas entre União, Estados e Municípios, que perpetua desequilíbrios e injustiças dentro do pacto federativo.
Um dos pontos críticos desse sistema é a desigualdade de representação na Câmara dos Deputados. Estados menos populosos, como o Acre, têm o mínimo de oito deputados, mesmo possuindo uma população reduzida. Em contrapartida, estados como São Paulo, que concentra milhões de eleitores, são limitados a setenta cadeiras. Essa desproporcionalidade cria uma balança desequilibrada de poder, facilitando a eleição de deputados em estados pequenos e enfraquecendo a representatividade das grandes populações. Essa realidade compromete a equidade no Congresso e favorece interesses regionais que, muitas vezes, não refletem a vontade da maioria dos brasileiros.
Outro elemento controverso é o terceiro senador, uma herança do regime militar que a Constituição de 1988 manteve sem grandes questionamentos. Originalmente, cada estado deveria eleger dois senadores, representando o estado de forma igualitária. Essa configuração se espelha no modelo norte-americano e visa garantir que cada estado tenha uma voz equitativa no Senado, independentemente de seu tamanho. Contudo, o terceiro senador — uma figura que surgiu no regime militar como “senador biônico” — permanece na estrutura atual e desfigura o equilíbrio original, permitindo que estados pequenos ganhem força desproporcional em decisões nacionais.
Essas distorções no modelo federativo brasileiro são apenas exemplos superficiais de um problema que permeia todo o sistema. A centralização dos recursos financeiros na União, seguida pela dependência de repasses para os estados e municípios, cria uma relação de dependência que tira a autonomia dos entes federativos. Dessa forma, o poder de fato permanece nas mãos do governo federal, que distribui recursos segundo interesses políticos, em vez de critérios de eficiência e necessidade. Essa lógica perversa condena o desenvolvimento regional e impede que estados e municípios cresçam de acordo com suas potencialidades.
O verdadeiro problema do Brasil, no entanto, vai além da mera administração pública e recai na estrutura do poder político. O sistema federativo atual, com suas distorções e desigualdades, tornou-se o verdadeiro “monstro” que impede o país de alcançar estabilidade e crescimento sustentáveis. A luta contra o “sistema” não pode se restringir a discursos vazios, mas exige uma compreensão profunda das raízes do problema e das reformas necessárias para solucioná-lo. Sem uma mudança estruturante, continuaremos apenas mitigando os sintomas do que é, de fato, uma doença crônica na organização do Estado brasileiro.
E essa situação, se não for corrigida, traz riscos graves. A inviabilização do sistema político pode levar o Brasil a um estado de crise profunda, que abriria espaço para discussões extremas, como a secessão de regiões. Em um cenário de caos institucional, aventuradores políticos poderiam emergir, questionando a unidade nacional e propondo soluções radicais para resolver os problemas de representatividade e autonomia que hoje são ignorados. Esse risco, por mais remoto que pareça, é uma possibilidade real diante do desgaste do sistema atual e da falta de perspectivas de mudança.
Portanto, não basta proclamar uma luta contra o “sistema” sem entender os seus meandros. A questão federativa é uma das muitas engrenagens que mantêm o Brasil preso a um ciclo de instabilidade e dependência. O modelo atual não só representa um obstáculo para o progresso, mas também coloca em risco a coesão social e a integridade territorial do país. Chegará o momento em que o Brasil terá que enfrentar essa realidade de forma direta, ou estará destinado a afundar cada vez mais no caos e na ineficácia de um sistema que, ao invés de servir à nação, tem servido apenas aos interesses daqueles que se beneficiam da manutenção do status quo.
A compreensão e o enfrentamento desse “monstro” são essenciais para que o país tenha uma chance de superar seus desafios e caminhar em direção a um futuro mais justo e próspero para todos os brasileiros.