A Polícia Federal indiciou o deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) por declarações consideradas caluniosas e difamatórias feitas em um discurso na tribuna da Câmara dos Deputados. O parlamentar teria atacado diretamente o delegado Fábio Alvarez Shor, responsável por investigações relevantes supervisionadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os casos investigados, estão inquéritos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, o que trouxe ainda mais repercussão ao caso.
O discurso, realizado em agosto, chamou atenção pelo tom enfático e pelas acusações graves. Marcel afirmou: "Não tenho medo de falar e repito: eu quero que as pessoas saibam, sim, quem é este dito policial federal que fez vários relatórios absolutamente fraudulentos contra pessoas inocentes, inclusive contra Felipe Martins [ex-assessor de Bolsonaro]". Além disso, o parlamentar descreveu o delegado como alguém que “age como bandido”, reiterando que suas declarações estariam protegidas pela imunidade parlamentar: “Eu tenho imunidade parlamentar. Deveria até ter começado dizendo isso”.
As palavras de Van Hattem geraram forte reação. O delegado Marco Bontempo, responsável pelo indiciamento, destacou que a imunidade parlamentar garantida pela Constituição Federal não é absoluta e que há limites para o exercício desse direito. Ele citou como exemplo um caso julgado pelo STF, em que o senador Jorge Kajuru foi denunciado por calúnia após acusações feitas em uma rede social. Segundo Bontempo, as declarações do deputado extrapolaram os direitos garantidos a parlamentares e configuram crimes de calúnia e difamação.
Para sustentar o indiciamento, o delegado argumentou que, embora a imunidade parlamentar proteja opiniões, palavras e votos, não pode ser usada como escudo para ataques pessoais ou acusações sem fundamento contra autoridades públicas. Ele ressaltou que a imunidade parlamentar tem a finalidade de garantir liberdade de expressão no exercício do mandato, mas não pode ser invocada para justificar condutas que ofendam a honra de terceiros ou prejudiquem investigações legítimas.
As acusações de Marcel Van Hattem contra o delegado Shor envolvem supostos relatórios fraudulentos que, segundo ele, incriminariam injustamente pessoas inocentes. Entre os nomes mencionados está o de Felipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro, que foi alvo de investigações relacionadas a inquéritos conduzidos pelo STF. No entanto, até o momento, não foram apresentadas provas concretas para sustentar as alegações feitas pelo deputado.
O caso reacendeu o debate sobre os limites da imunidade parlamentar e a liberdade de expressão no Brasil. Defensores de Van Hattem argumentam que o indiciamento é uma tentativa de intimidação e uma afronta à democracia, enquanto críticos afirmam que o deputado abusou do privilégio da imunidade para atacar servidores públicos e minar investigações em curso. O próprio parlamentar classificou o indiciamento como um “absurdo” e afirmou que o Brasil vive uma inversão de valores: “O Brasil está às avessas. Querem calar aqueles que têm coragem de expor a verdade”.
A defesa de Van Hattem sustenta que ele apenas exerceu seu papel como representante do povo, denunciando o que considera irregularidades em investigações conduzidas pela Polícia Federal. Segundo seus advogados, as declarações feitas na tribuna da Câmara estão totalmente protegidas pela Constituição, e qualquer tentativa de punição viola a independência do Poder Legislativo. Eles também argumentam que o STF tem utilizado investigações para perseguir opositores políticos, transformando um direito constitucional em objeto de ataque.
Por outro lado, especialistas em Direito Constitucional ressaltam que a imunidade parlamentar não é um salvo-conduto para a prática de crimes. Afirmam que, embora a imunidade garanta proteção para o exercício pleno do mandato, seu uso deve ser limitado ao âmbito do debate político e ao interesse público. Quando ultrapassa esses limites, como no caso de acusações pessoais sem fundamento, os parlamentares podem ser responsabilizados, conforme já reconhecido pelo próprio STF em julgamentos anteriores.
O indiciamento do deputado ocorre em um momento de tensão crescente entre os Poderes no Brasil. O Supremo Tribunal Federal tem sido alvo de críticas de setores políticos alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, enquanto investigações envolvendo figuras da direita são frequentemente vistas como tentativas de intimidação por aliados do ex-mandatário. Marcel Van Hattem, que tem uma postura crítica em relação ao STF e à condução de investigações contra Bolsonaro, tornou-se uma figura central nesse embate.
O desfecho do caso pode ter implicações significativas para o equilíbrio entre os Poderes e o uso da imunidade parlamentar no país. Se a denúncia for aceita, poderá abrir um precedente para a responsabilização de outros parlamentares que utilizem discursos na tribuna para ataques pessoais ou acusações sem provas. Por outro lado, se for arquivada, reforçará a proteção constitucional garantida aos membros do Legislativo, mas também poderá gerar críticas de que a imunidade parlamentar está sendo usada para acobertar excessos.
A denúncia contra Marcel Van Hattem agora será analisada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que decidirá se oferece ou não denúncia ao STF. Enquanto isso, o caso continua gerando discussões acaloradas no meio político e jurídico, expondo as divisões e as tensões que marcam o cenário político brasileiro atual.