A relação entre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal Ricardo Salles (Novo-SP) passou por uma reviravolta nos últimos dias, com sinais claros de desgaste. Bolsonaro, que foi presidente do Brasil entre 2019 e 2022, criticou publicamente Salles, seu ex-ministro do Meio Ambiente, por apoiar Pablo Marçal (PRTB) durante as eleições municipais em São Paulo. Essa postura de Salles foi interpretada como uma afronta às diretrizes bolsonaristas, visto que Bolsonaro tinha interesse em manter seu grupo político coeso e alinhado, especialmente em um cenário político em que novos nomes tentam despontar na direita brasileira.
Um dos eventos que causaram mais polêmica foi um jantar promovido por Salles em sua residência, ao qual convidou empresários e também o candidato Pablo Marçal. A atitude foi recebida com desagrado por Bolsonaro, que teria considerado o evento como um sinal de que Salles estaria apoiando um adversário em potencial dentro do campo ideológico de direita. Marçal, que busca se estabelecer como uma nova figura desse espectro político, representa, para Bolsonaro, uma possível ameaça ao seu protagonismo e ao controle sobre o movimento conservador no país. O jantar com empresários, interpretado como um espaço de articulação, deixou o ex-presidente insatisfeito, reforçando o distanciamento entre os dois.
A crise entre Bolsonaro e Salles se intensificou após uma publicação de Salles nas redes sociais. Em um momento de euforia pela reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos, Salles exaltou o ex-presidente americano, chamando-o de “maior dos intergaláticos” e elogiando a resistência de Trump em não ceder ou recuar diante das adversidades políticas. “Trump é maior dos intergaláticos. Não se curvou, não negociou, não cedeu, não retrocedeu! Foi lá e venceu!”, escreveu Salles na plataforma X, antiga Twitter. A postagem foi interpretada por Bolsonaro como uma provocação, já que ele próprio se alinha a Trump e tem buscado estreitar laços com a direita americana, vendo nele uma figura inspiradora e um aliado.
Em resposta a essa situação, Bolsonaro não poupou palavras ao comentar sobre o posicionamento de Salles. Em entrevista concedida à Folha de S.Paulo nesta sexta-feira (8), o ex-presidente expôs sua insatisfação de maneira irônica. "Logo o Salles, que lá atrás estava assim com o Alckmin, como secretário. Depois Amoedo, que diz que votou no Lula. Depois ficou comigo, se elegeu graças ao Eduardo [Bolsonaro]. Depois foi ser ‘marçalete’. Agora tá viúvo”, alfinetou. A fala de Bolsonaro faz uma crítica velada à trajetória política de Salles, sugerindo uma falta de firmeza ideológica e uma tendência a mudar de lado conforme as conveniências políticas.
Bolsonaro enfatizou que Salles deve sua eleição a Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do ex-presidente, conhecido por ser um dos principais articuladores do bolsonarismo. Essa afirmação reforça o discurso de Bolsonaro de que Salles teria se beneficiado do apoio da família para alcançar o posto de deputado, mas agora estaria buscando novos caminhos políticos sem o respaldo do ex-presidente. A aliança entre Salles e Bolsonaro, construída ao longo do governo, parece agora fragilizada, com Salles sendo acusado de uma suposta infidelidade política.
Para aliados de Bolsonaro, o rompimento entre os dois é uma demonstração de que o ex-presidente exige lealdade dos que fazem parte de sua base, especialmente daqueles que alcançaram relevância política por meio de seu apoio. Apoiadores de Bolsonaro interpretam as ações de Salles como um sinal de que o ex-ministro estaria mais preocupado em construir uma trajetória independente do que em manter fidelidade ao grupo que o ajudou a se destacar na política nacional. Há quem acredite que Salles esteja tentando consolidar-se como uma alternativa política viável na direita, especialmente em São Paulo, onde o eleitorado conservador tem forte presença e influência.
Ricardo Salles, por sua vez, ainda não respondeu diretamente às críticas de Bolsonaro, mas fontes próximas ao deputado afirmam que ele enxerga a política de maneira pragmática, buscando alianças estratégicas que possam fortalecer seu mandato e sua influência. O apoio a Pablo Marçal seria uma tentativa de se aproximar de figuras emergentes que, como ele, têm aspirações de liderança no cenário conservador.
O desentendimento entre Bolsonaro e Salles revela o complexo cenário político que permeia a direita brasileira. Desde que deixou a presidência, Bolsonaro tenta manter-se relevante e assegurar a liderança do movimento conservador, mas enfrenta o desafio de lidar com novas lideranças e com antigos aliados que, agora, demonstram interesse em consolidar carreiras independentes. Salles, com seu histórico de posições fortes em relação ao meio ambiente e a defesa do agronegócio, conquistou apoio entre o público bolsonarista, mas sua proximidade com Marçal e elogios a Trump podem indicar uma tentativa de construir sua própria base de seguidores.
Esse episódio serve como um alerta para o movimento conservador no Brasil, que, assim como em outros países, enfrenta as dificuldades de manter coesão em meio ao surgimento de novas lideranças e agendas. O desgaste na relação entre Bolsonaro e Salles é um indicativo das disputas internas e das diferentes estratégias que estão sendo traçadas para o futuro da direita no país, evidenciando que a unidade bolsonarista passa por um momento de teste.