Censura vigente no país: Dino manda tirar de circulação 4 livros com conteúdo que ele desaprova


 Nesta sexta-feira, 1º de novembro de 2024, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, determinou que quatro livros de teor jurídico sejam retirados de circulação em razão de conteúdo considerado ofensivo contra pessoas LGBTQIA+ e mulheres. A decisão, em resposta a uma ação promovida pelo Ministério Público Federal (MPF), gerou debate sobre os limites entre liberdade de expressão e dignidade humana, com críticos apontando a medida como uma forma de censura. Dino, no entanto, enfatizou que a decisão não configura censura, mas sim uma resposta necessária a conteúdos que ele julga degradantes e contrários aos princípios constitucionais de respeito e igualdade.


Os livros, publicados entre 2008 e 2009 pela editora Conceito Editorial, contêm trechos que, segundo a avaliação do ministro, propagam visões discriminatórias. Em um dos textos, o termo “homossexualismo” — um termo considerado ultrapassado e carregado de conotações patologizantes — é classificado como uma "anomalia sexual". Além disso, há uma associação entre a comunidade LGBTQIA+ e o HIV, sugerindo que a prática homossexual e bissexual seria a causa da Aids, uma concepção desmentida pela ciência há décadas e que reforça estigmas prejudiciais.


Outro trecho polêmico dos livros em questão faz comentários sobre mulheres, com frases que sugerem um "determinismo" social que supostamente dita as relações entre homens e mulheres jovens, referindo-se de maneira depreciativa à escolha de parceiros por algumas mulheres. Esses trechos, segundo Dino, são um exemplo de objetificação e desrespeito às mulheres, além de reproduzirem uma visão social ultrapassada e incompatível com os princípios da Constituição brasileira.


A controvérsia em torno dos livros surgiu quando estudantes da Universidade Estadual de Londrina (PR) relataram ao MPF o teor homofóbico encontrado nas obras disponíveis na biblioteca da instituição. O caso foi inicialmente levado ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que decidiu contra a retirada dos livros. No entanto, o MPF recorreu, levando a questão ao STF, onde Dino proferiu a decisão final. Para o ministro, a medida não se trata de censura, mas de proteção à dignidade humana, um princípio fundamental da Constituição de 1988.


Dino permitiu que os livros sejam reeditados e comercializados, desde que os trechos considerados incompatíveis com a Constituição sejam removidos. O ministro argumentou que, embora a liberdade de expressão e de pensamento sejam garantias constitucionais, esses direitos não são absolutos. Para ele, quando a manifestação do pensamento resulta em abuso ou discriminação, cabe à Justiça intervir. "A liberdade de expressão não pode ser escudo para ofensas que atentam contra a dignidade da pessoa humana", disse Dino em sua decisão.


O ministro citou estatísticas do Grupo Gay da Bahia que mostram a gravidade da violência contra a população LGBTQIA+ no Brasil, país com altos índices de crimes motivados por homofobia e transfobia. Segundo o levantamento, em 2023, o Brasil registrou 257 mortes violentas de pessoas LGBTQIA+, consolidando-se como um dos países mais perigosos para essa comunidade. Com base nesses dados, Dino argumentou que qualquer forma de discriminação — inclusive a promovida por material literário — representa uma ameaça ao Estado Democrático de Direito, que deve proteger todos os cidadãos independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero.


Apesar das justificativas de Dino, a decisão gerou controvérsia e dividiu opiniões entre juristas e defensores da liberdade de expressão. O advogado André Marsiglia criticou a retirada dos livros, afirmando que, em uma democracia, é natural haver visões divergentes e que a resposta a uma ofensa deveria ser buscar indenização, e não proibir ou alterar conteúdos literários. “Democracia admite visões divergentes, se alguém se ofendeu, que se indenize. Proibir ou alterar livros é censura”, afirmou Marsiglia, destacando que, ao interferir no conteúdo de publicações, o STF estaria ultrapassando o limite do direito à livre manifestação.


A decisão reacende o debate sobre até onde o Estado pode intervir para coibir discursos considerados ofensivos sem infringir os princípios da liberdade de expressão. Para alguns, a decisão do STF representa um avanço na proteção de grupos vulneráveis, que frequentemente são alvo de discursos de ódio ou estigmatização. Outros veem a medida como um perigoso precedente de interferência estatal em obras literárias, questionando se isso não abre caminho para futuras ações de controle sobre outros conteúdos.


Ao final, o caso traz à tona uma questão fundamental sobre o equilíbrio entre liberdade e responsabilidade em uma sociedade plural. A decisão de Dino reflete o entendimento de que, embora a Constituição garanta a livre expressão, ela também impõe limites quando essa liberdade ultrapassa o respeito aos direitos humanos. Para ele, remover os trechos ofensivos das obras é uma forma de preservar o direito à informação sem comprometer a dignidade de grupos historicamente marginalizados. Contudo, o impasse sobre a linha tênue entre proteção à dignidade e censura promete continuar alimentando debates na sociedade e no meio jurídico brasileiro.

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