O relatório da Polícia Federal que investiga a chamada "trama golpista" trouxe novos elementos sobre a prisão preventiva de Filipe Martins, mas também levantou questionamentos significativos sobre a consistência das informações apresentadas. A análise detalhada do caso foi realizada pelo historiador Enio Viterbo, doutor em história pela Universidade de Lisboa, que chamou a atenção para pontos controversos do documento de 884 páginas.
De acordo com Viterbo, que dedicou especial atenção à seção do relatório relacionada à prisão preventiva de Martins, existem inconsistências que comprometem parte das conclusões apresentadas pela Polícia Federal. Um dos pontos destacados é a afirmação de que Filipe Martins teria "forjado" sua saída do Brasil no final de 2022 com o objetivo de dificultar sua localização e, consequentemente, a aplicação da lei penal. Para justificar essa alegação, o relatório se baseia em um registro do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos (DHS), que indicava a entrada de Martins em Orlando, no estado da Flórida, no dia 30 de dezembro de 2022.
O problema levantado por Viterbo é que, à época do suposto ato de fuga, Filipe Martins não era alvo de investigação formal. Isso, segundo ele, torna questionável a ideia de que sua saída do país foi planejada para evitar a justiça, já que nenhuma medida judicial ou policial havia sido tomada contra ele naquele momento. Além disso, o historiador enfatiza que não há evidências concretas no relatório que sustentem a acusação de que Martins teria deliberadamente forjado a saída. O que existe, aponta Viterbo, é uma alegação baseada exclusivamente na interpretação da Polícia Federal.
Outro elemento crítico apontado é que a informação sobre a entrada de Filipe Martins nos Estados Unidos, usada pela Polícia Federal como prova no relatório, havia sido corrigida pelo próprio DHS antes da entrega do documento. O Departamento de Segurança Interna norte-americano atualizou seus registros e confirmou que a última entrada de Filipe Martins nos Estados Unidos ocorreu em setembro de 2022, e não em dezembro, como consta no relatório da PF. Essa discrepância não foi mencionada no relatório final, o que, segundo Viterbo, compromete a credibilidade das investigações e levanta dúvidas sobre a verificação dos dados utilizados como base para as conclusões.
Enio Viterbo também destacou que esse tipo de erro não pode ser tratado como algo trivial, especialmente em um caso de grande relevância como este, que envolve suspeitas de uma trama golpista e uma série de implicações políticas e jurídicas. Segundo ele, a discrepância nos registros e a ausência de provas concretas reforçam a necessidade de uma análise crítica do relatório, evitando que acusações sejam feitas sem o devido respaldo em evidências.
O caso Filipe Martins ganhou notoriedade por seu envolvimento com figuras políticas de destaque e por seu papel em articulações que, segundo as investigações, teriam como objetivo desestabilizar o governo. No entanto, as controvérsias em torno do relatório da Polícia Federal revelam que há fragilidades na condução do processo, o que pode impactar o desfecho do caso.
Para Viterbo, o episódio ilustra a importância de uma atuação criteriosa e transparente das instituições responsáveis por investigar crimes complexos. Ele sugere que a divulgação de informações inconsistentes, como no caso do registro de entrada nos Estados Unidos, pode gerar desconfiança não apenas no público, mas também entre os agentes do sistema de justiça. O historiador defende que qualquer acusação deve ser fundamentada em provas sólidas e que eventuais erros ou omissões sejam prontamente corrigidos para garantir a legitimidade do processo.
Além disso, Viterbo propõe que o relatório seja lido com atenção pelos interessados em entender o caso, ressaltando que, embora extenso, ele contém elementos que permitem uma análise detalhada das estratégias e conclusões da Polícia Federal. Ele acredita que o debate público sobre o relatório pode contribuir para fortalecer os mecanismos de controle e fiscalização das investigações, evitando que erros como esse se repitam em situações futuras.
O caso Filipe Martins, portanto, não apenas revela os desafios de lidar com investigações de alta complexidade, mas também reforça a necessidade de rigor técnico e ético na produção de relatórios oficiais. Para muitos, as conclusões da Polícia Federal devem ser vistas com cautela, especialmente quando baseadas em informações que, como apontado por Viterbo, podem não refletir a realidade dos fatos.