A amizade entre o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, é notória. A relação entre os dois líderes ultrapassa as formalidades diplomáticas e reflete uma afinidade ideológica que os une em vários aspectos políticos, especialmente em temas como o nacionalismo e o conservadorismo. É natural, portanto, que a posse de Trump, em um eventual retorno à presidência dos Estados Unidos, traga consigo expectativas de que Bolsonaro esteja presente como convidado. No entanto, um detalhe jurídico pode interferir nesses planos e criar um novo conflito entre os poderes brasileiro e norte-americano: o passaporte de Bolsonaro está retido pela Polícia Federal, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no contexto de investigações sobre uma suposta tentativa de golpe no Brasil.
A apreensão do passaporte de Bolsonaro, no início do ano, foi um dos episódios que marcaram o avanço das investigações sobre o período pós-eleitoral e os atos antidemocráticos que ocorreram em Brasília, em 8 de janeiro. Segundo Moraes, a retenção do documento do ex-presidente seria uma medida de precaução, uma vez que Bolsonaro está sendo investigado por possível envolvimento e incitação a manifestações violentas contra as instituições brasileiras. Esse episódio, que levantou uma série de debates jurídicos e políticos, também trouxe à tona uma nova fase da já conflituosa relação entre Bolsonaro e o Judiciário brasileiro, em especial o STF e o ministro Moraes.
Para participar da cerimônia de posse de Trump, Bolsonaro precisaria solicitar ao STF a devolução temporária do seu passaporte, o que só pode ocorrer mediante autorização de Alexandre de Moraes. A defesa de Bolsonaro já tentou uma medida similar em março, quando ele planejava uma viagem a Israel. Na ocasião, a solicitação foi prontamente negada por Moraes, sob o argumento de que a presença de Bolsonaro fora do país poderia comprometer o andamento das investigações e que sua presença no Brasil seria fundamental para os procedimentos judiciais em curso. Com esse histórico desfavorável, é pouco provável que o ministro acate uma nova solicitação, ainda que o motivo seja o convite para um evento tão simbólico e relevante como a posse do presidente dos Estados Unidos.
Se Moraes de fato recusar a autorização para a viagem, esse impedimento poderá desencadear uma reação de Trump, conhecida por sua postura desafiadora em relação a autoridades e tribunais, tanto dentro quanto fora dos Estados Unidos. Para Trump, a presença de Bolsonaro em sua posse representaria mais do que um gesto de cortesia; seria uma reafirmação dos laços ideológicos e pessoais entre os dois, além de uma demonstração de apoio a um aliado conservador que, assim como ele, enfrentou oposição do sistema judiciário em seu país. A negativa de Moraes, portanto, pode gerar um desentendimento internacional que envolva diretamente a Casa Branca e o STF, um cenário inédito nas relações diplomáticas entre os dois países.
Com esse contexto, especialistas avaliam que um eventual conflito entre Trump e o Judiciário brasileiro poderia afetar, de alguma forma, as relações diplomáticas e comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos. Embora seja improvável que uma questão pontual, como o impedimento de Bolsonaro em participar de uma posse, provoque mudanças radicais na política externa de ambos os países, a pressão diplomática pode se tornar um fator relevante, especialmente se Trump, em uma eventual reeleição, decidir utilizar essa questão como exemplo de repressão a aliados conservadores em países democráticos. Isso poderia servir de argumento para questionar o funcionamento das instituições democráticas no Brasil, colocando a relação entre os dois países em uma perspectiva delicada.
Há também o fator simbólico: a ausência de Bolsonaro na cerimônia de posse pode ser interpretada por alguns setores políticos e pela própria base de apoio de ambos os ex-presidentes como uma tentativa de minar a união ideológica entre Brasil e Estados Unidos. Esse cenário poderia ser aproveitado pelos adversários políticos de Bolsonaro, que poderiam argumentar que ele estaria sendo isolado internacionalmente devido às suas ações no Brasil. Além disso, o impedimento de sua participação em um evento como esse poderia ser usado por Moraes e outros membros do STF para reforçar a narrativa de que a Justiça está agindo de maneira rigorosa e imparcial, independente da posição política dos investigados.
Por outro lado, para os apoiadores de Bolsonaro e Trump, essa possível decisão de Moraes seria vista como uma interferência excessiva e politicamente motivada, destinada a enfraquecer Bolsonaro perante seus aliados internacionais. A expectativa de que a negativa se concretize levanta, portanto, um clima de tensão e incerteza sobre as possíveis reações, tanto da parte de Trump quanto do próprio Bolsonaro, que pode aproveitar o embate para fortalecer seu discurso contra o Judiciário brasileiro, mantendo a narrativa de perseguição política.
Em suma, a decisão de Alexandre de Moraes sobre a devolução do passaporte de Bolsonaro vai muito além de uma questão burocrática e tem o potencial de abrir um novo capítulo de tensões entre o Executivo e o Judiciário brasileiros, com possíveis reverberações internacionais.