Governo Lula montou “filiais” do Ministério da Cultura para distribuir cargos “em defesa da democracia”


 Uma nova investigação traz à tona uma estratégia do governo Lula que estabeleceu escritórios regionais do Ministério da Cultura em todos os 26 estados do Brasil. A criação desses escritórios, com mais de 80 cargos comissionados, tem gerado controvérsias, principalmente porque a maior parte desses postos foi ocupada por pessoas filiadas a partidos políticos, com um predomínio de militantes do Partido dos Trabalhadores (PT). Essa ação foi apontada como uma forma de fortalecer o apoio político e promover uma política de distribuição de cargos.


Esses escritórios, informalmente chamados pelo presidente Lula de "comitês de cultura", foram constituídos no início do ano passado. Desde então, têm trabalhado ativamente na escolha de Organizações Não Governamentais (ONGs) para compor os comitês de cultura estaduais. Esses comitês fazem parte de um esforço nacional para incentivar a difusão cultural pelo país, um projeto que, ao longo de dois anos, deverá distribuir cerca de R$ 58,8 milhões em verbas públicas.


A intenção declarada do governo com esses escritórios é promover uma maior inclusão e diversificação no setor cultural, de acordo com uma nota emitida pelo Ministério da Cultura. A pasta afirma que os funcionários comissionados são selecionados com base em sua experiência e conhecimento no setor cultural, e que a filiação partidária não é um critério de seleção. No entanto, a nota também afirma que o governo se apoia em uma ampla base partidária e que a criação desses cargos integra uma estratégia de coalizão com o intuito de fortalecer a democracia no país.


Entretanto, essa justificativa não foi suficiente para afastar as críticas de que esses cargos seriam utilizados para fins políticos. Um levantamento realizado pelo jornal Estadão revelou que, dos 26 escritórios estaduais, 19 são coordenados por membros do PT, um por um filiado ao PSB e outro por um integrante do PSOL. Os cinco escritórios restantes são liderados por coordenadores sem filiação formal, mas que possuem vínculos políticos conhecidos. Além dos coordenadores, esses escritórios ainda contam com outros 60 funcionários comissionados, de acordo com os dados disponíveis no site do Ministério da Cultura.


Entre as ONGs selecionadas para receber recursos públicos, algumas mantêm ligações diretas com membros do PT e com funcionários do próprio ministério. Há também o caso de uma organização gerida por um empresário que enfrenta acusações de desvio de recursos da cultura e de outra liderada por um político local, que teria utilizado o espaço do comitê de cultura para realizar eventos de campanha eleitoral.


A nomeação de determinados coordenadores também levanta suspeitas. O chefe do escritório da Bahia, por exemplo, não aparece na lista oficial de filiados ao PT, mas trabalhou por três mandatos consecutivos no gabinete do deputado federal Jorge Solla, um parlamentar petista da Bahia. Em setembro passado, ele foi nomeado para o cargo no Ministério da Cultura.


A reação a essa prática de nomeação de cargos comissionados e financiamento de ONGs próximas ao governo foi imediata. O senador Rogério Marinho, do PL-RN, e o deputado federal Luciano Zucco, do PL-RS, enviaram uma solicitação ao Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo uma investigação detalhada sobre a legalidade e moralidade dessas práticas. Zucco argumentou que é necessário verificar se os princípios de legalidade, impessoalidade e eficiência, estabelecidos pelo artigo 37 da Constituição Federal, estão sendo cumpridos no uso dos recursos públicos destinados a esses comitês de cultura.


Para Marinho, há uma preocupação de que a estrutura estatal esteja sendo usada de maneira a beneficiar interesses privados e partidários. Ele defende que uma investigação formal é essencial para verificar a extensão da “instrumentalização da máquina pública”. Segundo o senador, essa prática pode representar uma tentativa de tutelar interesses privados e partidários, uma vez que as ONGs escolhidas possuem alinhamentos claros com o governo.


Além do pedido de investigação, deputados da oposição na Câmara dos Deputados também reagiram ao caso. Evair Vieira de Melo, do PP-ES, e Kim Kataguiri, do União Brasil-SP, apresentaram requerimentos para que a ministra da Cultura, Margareth Menezes, compareça à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. A ideia é que a ministra preste esclarecimentos sobre os critérios de escolha das ONGs e as práticas de contratação dos coordenadores regionais dos comitês de cultura.


Esse tipo de iniciativa por parte do governo Lula remete à conhecida prática de distribuir cargos em troca de apoio político, uma tradição popularmente associada ao PT, que alguns críticos chamam de "boquinha". Para a oposição, essas ações representam um uso inadequado dos recursos públicos, e, além disso, podem comprometer a imparcialidade e o foco nas demandas reais do setor cultural brasileiro.


Por outro lado, aliados do governo defendem que essa estrutura contribui para a descentralização do Ministério da Cultura e promove um contato mais direto com as demandas locais, além de fomentar parcerias regionais em prol da cultura. Segundo eles, a ampliação dos comitês é uma maneira de tornar a cultura mais acessível, garantindo que a verba seja utilizada para potencializar ações culturais em todas as regiões do país. Eles argumentam que a composição dos comitês é uma expressão natural de uma base governamental que, de fato, é integrada por diferentes partidos e agentes sociais.


Essa situação, entretanto, continua a gerar debates acalorados, com novas denúncias e pedidos de investigação. A oposição pressiona por uma auditoria rigorosa para assegurar que os recursos públicos sejam empregados de forma ética e transparente, enquanto o governo insiste que a atuação dos comitês é essencial para democratizar o acesso à cultura no Brasil.
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