A 1ª Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal rejeitou nesta semana uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. A ação estava baseada em declarações feitas por Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2022, em que o ex-presidente se referiu a adolescentes venezuelanas de forma controversa, afirmando que “pintou um clima” ao encontrá-las. O MPDFT acusava o ex-presidente de ter promovido uma fala imprópria e desrespeitosa em relação às jovens e havia solicitado uma indenização de R$ 30 milhões por supostas “violações de direitos de crianças e adolescentes”.
O Ministério Público argumentava que Bolsonaro, com suas declarações, teria insinuado que as jovens estavam disponíveis para encontros sexuais, incitando discriminação e violando a dignidade das adolescentes. Além disso, o órgão apontava que o ex-presidente havia utilizado imagens das jovens durante a campanha, sem a devida autorização dos responsáveis, e incentivado menores a fazer “gestos de arma”, gesto característico de apoio à sua campanha. De acordo com o MPDFT, essas atitudes constituíam um desrespeito aos direitos das crianças e adolescentes, sobretudo por se tratar de meninas migrantes em situação de vulnerabilidade social.
No entanto, em sua decisão, o juiz Evandro Neiva de Amorim considerou improcedentes as alegações apresentadas. Na análise das provas, o magistrado destacou que, embora a fala de Bolsonaro tenha sido “infeliz e passível de críticas”, ela não caracterizava, por si só, uma incitação ao preconceito ou uma ofensa direta aos direitos das jovens. De acordo com o juiz, o comentário de Bolsonaro deveria ser interpretado dentro do contexto político e social da crise migratória venezuelana, que resultou em um grande fluxo de refugiados para o Brasil, incluindo famílias e menores de idade em busca de melhores condições de vida. Segundo Amorim, a fala do ex-presidente era uma referência à situação de vulnerabilidade que muitas dessas famílias enfrentam ao deixarem seu país de origem.
O magistrado observou ainda que, para que uma declaração se configurasse como violação de direitos fundamentais ou dano moral coletivo, seria necessário que houvesse uma comprovação concreta de que as falas de Bolsonaro teriam causado um impacto negativo generalizado na sociedade ou comprometido a dignidade das adolescentes mencionadas. Na avaliação do juiz, os elementos apresentados pelo MPDFT não eram robustos o suficiente para sustentar essa tese. Não foram demonstrados, por exemplo, danos psicológicos ou sociais que teriam sido sofridos pelas adolescentes venezuelanas mencionadas, nem ficou comprovado que o comentário tivesse provocado repercussões prejudiciais significativas.
Além disso, o juiz destacou que não havia indícios de que a fala de Bolsonaro tivesse a intenção deliberada de incitar qualquer tipo de discriminação, especialmente contra a comunidade de migrantes venezuelanos. Segundo ele, o caso tratava-se de uma crítica ao contexto social da Venezuela e às dificuldades enfrentadas pelos migrantes, que têm sido tema de frequentes discussões políticas. Portanto, o comentário não podia ser tomado como uma afirmação que tivesse como objetivo desumanizar ou desrespeitar as adolescentes venezuelanas em questão.
Após a decisão, Bolsonaro comentou o desfecho do caso em suas redes sociais, dizendo que sempre acreditou que o processo era “infundado e motivado por interesses políticos”. Ele afirmou ainda que foi “perseguido até não querer mais” pelo sistema e criticou o que chamou de “agentes da desinformação” por, segundo ele, distorcerem suas palavras e espalharem interpretações tendenciosas de suas declarações. Ele também argumentou que a decisão judicial era uma vitória contra o que classificou como “tentativas de manipulação da opinião pública” por seus opositores.
A decisão foi vista por muitos apoiadores de Bolsonaro como mais uma vitória do ex-presidente contra as acusações que, segundo eles, buscam desgastá-lo politicamente. Em contrapartida, críticos apontam que a fala de Bolsonaro ainda soa imprópria para um líder político e argumentam que, independentemente da interpretação judicial, o comentário transmitiu uma mensagem que poderia ser interpretada de forma negativa.
Apesar da decisão favorável, o caso reflete a divisão acentuada na sociedade brasileira em relação ao ex-presidente, que frequentemente é alvo de controvérsias e ações judiciais. Para Bolsonaro, contudo, essa decisão representa um importante precedente jurídico que, segundo ele, desmascara o que considera “ataques infundados” de seus opositores. Nos últimos anos, o ex-presidente e seu entorno político têm reiterado que tais ações são “perseguições políticas” e “tentativas de prejudicar sua imagem” no cenário nacional.
Especialistas em Direito ressaltam que, embora a decisão rejeite as acusações de violação de direitos, ela não invalida a crítica pública e o debate em torno da postura de líderes políticos no uso de suas palavras, principalmente ao tratar de temas sensíveis.