Na noite da última quarta-feira (18), a Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou formalmente à Polícia Federal e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a abertura de uma investigação sobre supostos crimes contra o mercado de capitais. A iniciativa foi motivada pela disseminação de informações falsas em uma rede social envolvendo a política monetária brasileira, o Banco Central e Gabriel Galípolo, futuro presidente da instituição. As mensagens teriam circulado em um perfil no X (antigo Twitter) e atribuíam declarações fictícias a Galípolo, o que, segundo a AGU, teria influenciado a alta do dólar.
A ação da AGU, liderada pelo advogado-geral da União Jorge Messias, conhecido como “Bessias”, gerou polêmica e foi recebida com ceticismo por diversos setores. O governo argumenta que as mensagens foram um ataque à credibilidade do Banco Central e da política econômica do país, afetando negativamente o mercado de câmbio. Contudo, críticos apontam que a iniciativa tem pouca base jurídica e desvia o foco de questões mais graves relacionadas à condução econômica do governo.
De acordo com a AGU, as declarações falsas, mesmo desmentidas logo após sua publicação, causaram impactos no mercado financeiro. Na terça-feira, o dólar registrou uma alta expressiva, e a justificativa apresentada foi a repercussão das mensagens que circulavam nas redes sociais. No entanto, o dólar já vinha subindo de forma consistente desde o final de novembro, o que levanta dúvidas sobre a real influência do episódio. A moeda americana se fortaleceu no dia 27 de novembro, quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um pacote de medidas fiscais acompanhado de promessas de isenção fiscal futura, o que foi interpretado pelo mercado como insuficiente para conter os problemas fiscais do país.
Especialistas em direito e economia criticaram a postura da AGU, classificando-a como uma tentativa de politizar ainda mais o cenário econômico e atribuir a culpa de problemas estruturais a eventos pontuais. O advogado e economista Gustavo Silva, por exemplo, afirmou que “a alta do dólar está relacionada a fatores muito mais complexos do que uma simples publicação em redes sociais. O mercado reage a fundamentos econômicos, como déficit fiscal, insegurança jurídica e falta de previsibilidade nas políticas públicas. Usar um perfil no X como bode expiatório é, no mínimo, questionável.”
A politização do episódio também foi destacada por analistas do mercado financeiro. Muitos apontam que o foco da investigação parece desviar a atenção de questões mais profundas, como o impacto das decisões econômicas recentes no desempenho do real frente ao dólar. Um operador de câmbio, que preferiu não se identificar, explicou que “a instabilidade do câmbio reflete a desconfiança dos investidores em relação às medidas do governo. A criação de narrativas sobre desinformação em redes sociais é uma distração.”
Outro ponto que gerou debate foi a decisão de mobilizar recursos públicos para investigar supostos crimes de desinformação que, segundo críticos, não teriam causado impacto significativo. Essa movimentação foi interpretada por alguns como um gesto político para mostrar firmeza diante de críticas à condução da política econômica e ao enfraquecimento do Banco Central em relação à sua autonomia.
A trajetória do dólar ao longo das últimas semanas reforça a percepção de que fatores mais amplos estão em jogo. Desde o final de novembro, a moeda americana tem se valorizado de forma consistente em relação ao real, em parte devido ao aumento da percepção de risco fiscal no Brasil. O pacote de ajuste fiscal apresentado por Fernando Haddad, amplamente criticado por ser tímido e cheio de promessas de benefícios futuros, não foi suficiente para tranquilizar os investidores. Pelo contrário, contribuiu para intensificar a desconfiança.
Além disso, o mercado de câmbio no Brasil também está sujeito a flutuações causadas por eventos externos, como o fortalecimento da economia dos Estados Unidos e as perspectivas de novas altas nos juros americanos. Esses fatores tornam o real ainda mais vulnerável em um momento de incertezas econômicas internas.
Enquanto isso, a decisão de investigar as mensagens no X gera preocupações sobre o impacto que tal medida pode ter na liberdade de expressão e no uso das redes sociais no Brasil. Especialistas alertam que, embora seja importante combater a desinformação, é necessário evitar que ações desse tipo sejam utilizadas para cercear o debate público ou intimidar vozes dissidentes.
O episódio evidencia um momento delicado para a economia brasileira. A alta do dólar pressiona a inflação, aumenta os custos de importação e afeta diretamente o poder de compra da população. Ao invés de focar em ações concretas para enfrentar esses desafios, o governo parece priorizar a construção de narrativas para justificar os problemas enfrentados.
Em última análise, a mobilização da AGU para investigar as mensagens sobre Gabriel Galípolo e o Banco Central parece insuficiente para lidar com as reais causas da instabilidade econômica. Enquanto isso, o real continua perdendo força, e as perspectivas para 2024 permanecem desafiadoras. A confiança dos investidores e do mercado só será restaurada quando houver sinais claros de responsabilidade fiscal e comprometimento com reformas estruturais, algo que, até agora, parece distante na agenda do governo.