Pela segunda vez no mesmo dia, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça tomou uma posição isolada, divergindo de todos os seus colegas de Corte. Em um julgamento que analisava a atuação do ministro Alexandre de Moraes como responsável pelas investigações relacionadas à tentativa de golpe de Estado, Mendonça votou para afastar Moraes do caso, sendo o único a seguir esse entendimento. O placar final foi de 9 a 1.
O julgamento discutia se Alexandre de Moraes, relator das investigações, estaria impedido de conduzir o processo. A tese, defendida pela equipe jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro, argumentava que Moraes tinha interesse direto no caso, uma vez que ele próprio poderia ter sido vítima dos atos investigados. André Mendonça acolheu a argumentação e sustentou que essa situação criaria um conflito de interesses, justificando o afastamento.
Na fundamentação de seu voto, Mendonça destacou que, diante dos fatos apurados, Alexandre de Moraes poderia ter sido afetado de maneira direta e grave pelos atos planejados. “Nessa conjuntura, ao constatar que o eminente Ministro arguido sofreria, direta e imediatamente, consequências graves e tangíveis, como prisão — ou até mesmo morte —, se os relatados intentos dos investigados fossem levados a cabo, parece-me presente a condição de 'diretamente interessado', tal como exigido pelo art. 252, IV, do CPP”, escreveu Mendonça, em referência ao Código de Processo Penal.
O argumento central de Mendonça foi o de que, embora crimes contra a democracia e organização criminosa tenham como vítima direta a sociedade e o Estado Democrático de Direito, o relator, neste caso, seria afetado pessoalmente em razão das consequências dos atos investigados. “É certo que, sob o ponto de vista formal, o sujeito passivo do crime de organização criminosa é a 'sociedade', assim como, quanto aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, o sujeito passivo é a 'democracia'. Entretanto, isso não altera o fato de que, de acordo com o iter cogitado, os atos executórios atingiriam diretamente o Ministro Relator. Atos esses que, em tese, configurariam ilícitos penais autônomos acaso não verificada a consunção pelos delitos suso mencionados — em relação aos quais, inclusive do ponto de vista dogmático, ele seria a vítima”, prosseguiu Mendonça.
A posição isolada de Mendonça chamou atenção tanto pela natureza do caso quanto pelo contraste com a unanimidade dos demais ministros. A postura de Mendonça, vista como uma tentativa de questionar o "sistema", foi mais contundente que a de Nunes Marques, outro ministro frequentemente alinhado com as pautas da ala conservadora. Enquanto Marques preferiu não confrontar diretamente as investigações, Mendonça deixou claro que não teme expor suas discordâncias, mesmo que sozinho.
O julgamento teve alta repercussão política e jurídica, especialmente porque Alexandre de Moraes tem sido um dos principais nomes no combate às ações que atentam contra a democracia, especialmente no contexto pós-eleitoral. Moraes lidera frentes de investigação contra atos antidemocráticos e desempenha papel central no enfrentamento de discursos extremistas e ataques às instituições. Para a defesa de Bolsonaro, o argumento de “interesse pessoal” de Moraes busca criar um precedente que possa enfraquecer a legitimidade de sua atuação nesses processos.
O voto de André Mendonça, no entanto, não teve apoio de nenhum dos demais ministros da Corte. Os colegas rejeitaram a tese de impedimento, reiterando que Moraes tem legitimidade para conduzir as investigações, uma vez que seu papel como relator foi definido nos termos do Regimento Interno do STF. Ao final, prevaleceu o entendimento de que o ministro não possui interesse pessoal direto no caso e que as investigações devem continuar sob sua relatoria.
Essa não foi a única divergência de Mendonça no dia, o que reforça o caráter independente de sua atuação, mas também levanta questionamentos sobre o impacto de sua postura isolada dentro do tribunal. Desde que foi indicado ao STF pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, Mendonça tem oscilado entre alinhamentos com a ala conservadora e posições que demonstram sua autonomia, ainda que minoritária. Seu voto desta vez, porém, não altera o curso das investigações, que seguem sob o comando de Alexandre de Moraes.
Com o julgamento encerrado, o placar final de 9 a 1 evidencia o consenso majoritário no STF em defesa da condução de Moraes. A divergência de André Mendonça, embora significativa como manifestação de dissenso, não obteve adesão entre os demais ministros. A atuação isolada do ministro, no entanto, alimenta debates sobre os limites de imparcialidade e interesse pessoal nos processos que envolvem figuras públicas e autoridades do Judiciário.
As investigações sobre a tentativa de golpe de Estado continuam a avançar, com Alexandre de Moraes mantendo a relatoria do caso.