A “agenda oculta” de Janja
O Palácio do Planalto tem adotado uma postura de grande resistência em relação à divulgação de informações sobre a agenda da primeira-dama, Janja, o que tem gerado questionamentos tanto de veículos de imprensa quanto de organizações especializadas em transparência pública. Apesar de frequentemente buscar os holofotes, como na ocasião em que abriu a cerimônia alusiva aos atos de 8 de janeiro de 2023, a esposa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém uma rotina envolta em sigilo, com o respaldo da Presidência da República.
O jornal O Globo revelou recentemente que, mesmo após solicitar diversas vezes a agenda de compromissos de Janja, incluindo descrições detalhadas dos eventos e atas digitalizadas das reuniões em que participou, teve seus pedidos negados pela Casa Civil. A recusa levou o veículo a entrar com recurso administrativo, evidenciando a dificuldade em obter informações que, em tese, deveriam ser públicas. A situação não se limita ao jornal: a ONG Fiquem Sabendo, conhecida por atuar na obtenção de dados públicos, também enfrentou barreiras semelhantes ao pedir detalhes sobre a agenda da primeira-dama em março e abril de 2024. Os recursos da ONG foram igualmente negados, com a Controladoria-Geral da União (CGU) respaldando a decisão do governo.
A controvérsia em torno de Janja se intensifica pelo fato de que, embora não tenha nenhum cargo oficial nem tenha sido eleita, a primeira-dama possui um gabinete próprio no terceiro andar do Palácio do Planalto. Segundo informações publicadas por O Globo e confirmadas por O Antagonista, a sala está localizada a poucos metros do gabinete do presidente, sendo usada para uma “intensa agenda de despachos”. No entanto, os detalhes sobre quem entra ou sai do espaço permanecem um mistério que o governo não está disposto a esclarecer.
A presença de Janja no cenário político e administrativo é sustentada por uma equipe robusta, apelidada de "Time Janja", composta por assessores de imprensa, fotógrafos, especialistas em redes sociais e até um militar. Essa equipe custa mensalmente cerca de R$ 160 mil aos cofres públicos, de acordo com o jornal Estadão. Desde o início do governo Lula, os gastos com viagens dessa equipe ultrapassaram R$ 1,2 milhão, uma cifra que tem gerado críticas de opositores e levantado suspeitas de desvio de função. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) destacou em suas redes sociais que os servidores públicos estariam sendo usados para impulsionar a imagem da primeira-dama em um possível uso inadequado de recursos públicos.
Além disso, a atuação de Janja tem sido marcada pela promoção de eventos culturais e viagens com custos considerados elevados. Segundo Ferreira, em um momento em que o próprio governo reconhece a necessidade de contenção de despesas, a manutenção de um gabinete paralelo e os altos investimentos em benefício da primeira-dama configuram um "desperdício inadmissível". A situação levou parlamentares da oposição a protocolarem pedidos no Tribunal de Contas da União (TCU) para que os gastos relacionados ao gabinete de Janja sejam investigados.
O caso expõe um contraste entre a figura pública da primeira-dama e a política de transparência esperada de representantes do governo. Embora Janja busque destaque em ações e eventos oficiais, o governo demonstra uma postura protetiva em relação às informações sobre sua rotina e aos custos associados a ela. Isso alimenta um debate crescente sobre a relação entre o papel institucional da primeira-dama e o uso de recursos públicos para sustentar suas atividades.
Essa falta de clareza não apenas desafia o acesso à informação, mas também põe em evidência questões mais amplas sobre os limites de atuação e responsabilidade de figuras que, apesar de não serem eleitas, exercem influência direta no funcionamento da administração pública. A resistência do governo em abrir dados sobre Janja pode ser interpretada como um reflexo de um esforço maior para preservar sua imagem e evitar escrutínios, mas também coloca em xeque compromissos com a transparência e a accountability.
O desdobramento desse impasse pode trazer implicações significativas, tanto em termos de credibilidade para o governo Lula quanto no fortalecimento de mecanismos de fiscalização. Enquanto recursos administrativos e judiciais tentam forçar a liberação de informações, a controvérsia sobre Janja permanece como um símbolo das tensões entre exposição pública e proteção institucional no Brasil atual.