O drama que fatalmente Moraes terá que enfrentar


Ontem, 8 de janeiro, marcou mais um dia em que figuras públicas e autoridades reafirmaram seu compromisso com o combate à desinformação e ao discurso de ódio. Esse tema, constantemente associado aos eventos ocorridos há dois anos, parece ter se tornado um ponto central nas narrativas políticas e institucionais do país. Entre os destaques, o ministro Alexandre de Moraes, figura emblemática nessa cruzada, proferiu declarações que chamaram atenção pela contundência. Afirmou, sem rodeios, que o Supremo Tribunal Federal não permitirá que as redes sociais sejam usadas como instrumentos para ampliar discursos de ódio.

Essa declaração reflete não apenas o tom firme adotado por Moraes, mas também a percepção de que o STF, sob sua liderança em temas de regulação digital, age como uma espécie de guardião supremo da democracia brasileira. No entanto, críticas não tardaram a surgir. Muitos enxergam nessas palavras uma pretensão autoritária, como se o Supremo estivesse se posicionando acima dos preceitos democráticos, extrapolando os limites constitucionais e adotando uma postura que, para alguns, soa ditatorial. Esse argumento foi reforçado pela ideia de que o tribunal, ao invés de atuar como árbitro imparcial, parece estar imbuído de uma missão quase messiânica, onde nada poderá detê-lo.

Em paralelo a esse cenário, o jornalista William Waack publicou uma análise que ecoa o desconforto de parcelas significativas da sociedade brasileira. Em sua coluna, ele apontou que parte das elites do país perdeu a confiança de que o STF seria uma instituição voltada exclusivamente à defesa dos preceitos constitucionais e do rigor das leis. Segundo Waack, há uma percepção crescente de que interesses políticos e partidários podem estar influenciando decisões do tribunal. A escolha do termo “elites” pelo jornalista é digna de reflexão. Não se referir ao povo ou aos cidadãos em geral, mas sim às elites, revela um mal-estar particular nas camadas mais altas da sociedade, aquelas que historicamente têm papel determinante na condução dos destinos do país.

Esse desconforto ficou evidente na ausência de algumas autoridades durante as celebrações do 8 de janeiro. O vazio nos eventos foi interpretado por muitos como um sinal de que há um desgaste crescente na narrativa oficial. A ideia de que o combate ao discurso de ódio seria a grande bandeira democrática já não parece convencer amplos setores, exceto aqueles mais alinhados a figuras como Eugênio Bucci, defensor incansável dessa abordagem.

Entretanto, o cenário aponta para um paradoxo. Se por um lado Alexandre de Moraes e o STF se esforçam para demonstrar poder e controle sobre questões como o uso das redes sociais, por outro, essa postura pode expor a fragilidade institucional da Suprema Corte. O poder que não é legitimado por amplo consenso tende a gerar resistências. E resistências, como a história demonstra, podem se transformar em crises profundas quando acumulam força suficiente.

O protagonismo de Lula e do Partido dos Trabalhadores nesse arranjo também não passa despercebido. A construção de narrativas em torno de discursos de ódio e desinformação parece beneficiar diretamente o governo atual, que utiliza esses temas como uma espécie de escudo político. Contudo, a insistência nesse modelo pode ter efeitos colaterais, especialmente quando parte da sociedade começa a enxergar nisso um artifício para centralizar poder e silenciar opositores.

O futuro reserva desafios complexos para Alexandre de Moraes e o STF. A promessa de regulamentar as redes sociais coloca o tribunal em uma posição delicada. Por um lado, há a necessidade de responder a demandas legítimas por controle de conteúdos prejudiciais e falsos. Por outro, há o risco de ultrapassar os limites da separação de poderes e interferir diretamente na liberdade de expressão, um princípio fundamental em qualquer democracia.

Marcelo Guterman, em sua análise sobre o cenário, traz uma visão complementar. Como engenheiro e economista, ele observa que o equilíbrio entre poder e legitimidade é essencial para a sustentação de qualquer instituição. Na medida em que o STF acumula mais protagonismo e interfere em áreas tradicionalmente fora de seu alcance, a percepção pública sobre sua função pode sofrer danos irreparáveis. A crítica não é apenas sobre as ações do tribunal, mas também sobre o ambiente político que permite e incentiva tais movimentos.

O drama que Moraes terá de enfrentar está justamente nessa encruzilhada. A busca por maior controle pode resultar em uma perda de confiança institucional, algo que é extremamente difícil de recuperar. A história do Brasil e de outras democracias já mostrou que o poder, quando desconectado da legitimidade popular e institucional, tende a ser efêmero. Assim, o discurso forte de hoje pode se tornar o motivo de sua vulnerabilidade amanhã.

O debate sobre o papel do STF e de figuras como Alexandre de Moraes é um reflexo de questões mais amplas sobre os rumos da democracia brasileira. Enquanto os discursos sobre combate ao ódio e à desinformação continuam a dominar o cenário político, o país observa atentamente os desdobramentos dessa batalha, que promete moldar o futuro das instituições e da liberdade de expressão no Brasil. O desfecho ainda é incerto, mas o impacto já é profundo.

Jornalista