Passarinho que come prego sabe o... que tem!
Há frases que marcam o imaginário popular, servindo tanto para resumir realidades quanto para escancarar contradições. “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa” é um desses ditados que, por sua simplicidade, guarda um significado profundo. Na política, essa distinção se torna ainda mais evidente quando bravatas e discursos inflamados dão lugar a ajustes estratégicos e pragmatismo diante da realidade.
Foi exatamente o que ocorreu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação a Donald Trump. Durante a campanha eleitoral dos Estados Unidos, Lula não economizou palavras para criticar o republicano. Declarou que a possível reeleição de Trump representava o nazismo com outra cara, apostando suas fichas em Kamala Harris e na vitória dos democratas. No mundo de fantasia que às vezes parece permear a política internacional, o petista talvez tenha acreditado que seu apoio teria alguma relevância, mesmo que apenas em Nárnia.
Contudo, assim como no conto dos Três Porquinhos, fazer bravatas enquanto o lobo não chega é fácil. Difícil mesmo é encarar o lobo de frente. Diante do resultado eleitoral e da confirmação da vitória de Trump, Lula foi obrigado a mudar o tom. Na reunião ministerial, apresentou uma versão bem diferente da postura que adotou anteriormente. Em vez de manter as críticas, adotou um discurso diplomático, tentando minimizar qualquer embaraço político que suas declarações passadas pudessem causar.
"Tem gente que fala que a eleição do Trump pode causar problema na democracia mundial. O Trump foi eleito para governar os Estados Unidos, e eu, como presidente do Brasil, torço para que ele faça uma gestão profícua, para que o povo brasileiro, o povo americano melhore e para que os americanos continuem a ser os parceiros históricos que são do Brasil", declarou Lula, ignorando que esse “gente” que falava sobre a ameaça de Trump à democracia era ele mesmo.
A mudança de tom não surpreende. Na política, alianças e discursos são moldados conforme as circunstâncias exigem. Lula, que já demonstrou habilidade para transitar entre diferentes cenários políticos, compreendeu que sua retórica agressiva contra Trump não serviria de nada agora que o republicano reassumirá o poder. O Brasil tem interesses estratégicos nos Estados Unidos, e o presidente sabe que não pode se dar ao luxo de comprar uma briga desnecessária com a maior potência econômica do mundo.
O discurso moderado foi além: Lula fez questão de enfatizar que o Brasil não quer briga com ninguém, citando não apenas os Estados Unidos, mas também China, Rússia, Índia e até mesmo a vizinha Venezuela. O tom conciliador é uma tentativa clara de preservar relações internacionais e evitar tensões que possam prejudicar o país.
O episódio expõe um comportamento recorrente no petista: a facilidade com que altera sua postura quando convém. Se antes Trump era uma ameaça à democracia, agora Lula deseja que ele tenha uma gestão bem-sucedida. Se antes as críticas eram afiadas, agora o discurso é diplomático.
A contradição não é exclusiva do presidente brasileiro. A política internacional é repleta de exemplos de líderes que ajustam suas falas conforme a maré política muda. No entanto, no caso de Lula, a discrepância é ainda mais evidente porque suas declarações passadas eram inflamadas e categóricas. Agora, diante da necessidade de preservar as relações entre Brasil e Estados Unidos, adota um tom conciliador, como se nunca tivesse dito o contrário.
A guinada discursiva reforça um aspecto essencial da política externa brasileira sob Lula: o pragmatismo. Apesar da retórica ideológica que costuma adotar em discursos públicos, na prática, o presidente evita rompimentos e busca garantir a estabilidade nas relações diplomáticas. Foi assim no passado com outros líderes e está sendo assim agora com Trump.
Para seus apoiadores, essa flexibilidade é vista como habilidade política. Para seus críticos, é apenas mais uma prova de incoerência. De qualquer forma, o fato é que, no jogo do poder, coerência raramente é a prioridade. O que importa é garantir que o Brasil continue mantendo boas relações internacionais e que eventuais deslizes retóricos sejam esquecidos no mar de declarações e desmentidos que marcam o cenário político.
No fim das contas, o ditado popular continua atual. Uma coisa é fazer bravatas, outra coisa é lidar com a realidade. E Lula, mais uma vez, mostrou que sabe muito bem quando é hora de mudar o tom.