Na tarde da última quarta-feira (07), o Tribunal de Contas da União (TCU) tomou uma decisão que pode ter repercussões significativas no cenário político brasileiro, especialmente em relação ao inquérito envolvendo as joias sauditas atribuídas ao ex-presidente Jair Bolsonaro. O plenário do TCU decidiu que não compete ao órgão legislar sobre a destinação dos presentes recebidos por presidentes da República, permitindo que o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantenha em seu acervo pessoal dois relógios de luxo recebidos durante seu primeiro mandato.
Essa decisão surge em um momento delicado, onde a justiça e a política se entrelaçam de maneira intrincada. Os relógios, um Piaget avaliado em R$ 80 mil, presente do então presidente francês Jacques Chirac, e um Cartier Santos Dumont, avaliado em cerca de R$ 60 mil, dado pela própria fabricante, estão no centro de uma disputa que transcende os objetos em si e adentra o campo das interpretações legais e dos precedentes políticos.
A decisão do TCU, ao afirmar que não existe uma norma clara que regule a destinação de tais presentes e ao declinar de sua competência para legislar sobre o tema, deixa uma lacuna que pode ser explorada pela defesa de Bolsonaro. O advogado Adriano Soares da Costa, em entrevista à Gazeta do Povo, destacou que a ausência de uma norma específica e a recusa do TCU em legislar sobre a questão reforçam a ideia de que a incorporação desses bens ao patrimônio pessoal dos presidentes não pode ser considerada um ilícito. Segundo Costa, "fosse um ilícito a incorporação, por certo o TCU se pronunciaria, entendendo tratar-se de bem público. Não foi o caso."
Esse entendimento abre um precedente que pode beneficiar Bolsonaro no inquérito das joias sauditas. A defesa do ex-presidente, na semana passada, pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) o arquivamento do inquérito que investiga o caso, alegando que Bolsonaro deveria receber o mesmo tratamento dispensado a Lula, que teve arquivado um pedido de investigação sobre os relógios de luxo. Os advogados de Bolsonaro argumentam que, se Lula pôde manter os relógios sem que houvesse implicações legais, o mesmo deveria ocorrer com as joias sauditas.
Essa linha de defesa se baseia em uma questão de isonomia, ou seja, a aplicação uniforme da lei para todos. Ao não investigar Lula pela posse dos relógios, a justiça, na visão da defesa de Bolsonaro, estaria criando um critério desigual de avaliação de casos semelhantes. Nesse sentido, o TCU, ao declinar sua competência, não apenas evitou uma decisão direta sobre o tema, mas também abriu caminho para que a defesa de Bolsonaro explore a ausência de uma legislação clara.
No entanto, o caso das joias sauditas é mais complexo. O inquérito que investiga Bolsonaro envolve não apenas a posse dos itens, mas também as circunstâncias de sua entrada no Brasil e a forma como foram declarados ou não às autoridades competentes. Ainda assim, a decisão do TCU pode ser utilizada para enfraquecer as acusações contra Bolsonaro, ao argumentar que, assim como no caso dos relógios de Lula, não há uma base legal sólida que defina claramente o que deve ser feito com presentes recebidos por chefes de Estado.
A questão agora é como a PGR e, eventualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) interpretarão essa decisão do TCU. O ministro Alexandre de Moraes, que já arquivou um pedido de investigação contra Lula relacionado aos relógios, terá que avaliar se o caso das joias sauditas pode ou não ser comparado à situação de Lula. Para a defesa de Bolsonaro, a esperança reside no fato de que, se um presidente foi permitido a manter itens de luxo sem consequências legais, o mesmo deveria valer para qualquer outro presidente, desde que as circunstâncias sejam semelhantes.
No cenário político, essa decisão pode ter impactos profundos. O caso das joias sauditas tem sido um dos principais pontos de tensão entre Bolsonaro e seus opositores, e uma vitória no campo jurídico poderia não apenas aliviar a pressão sobre o ex-presidente, mas também fortalecer sua posição política. Com a aproximação das eleições de 2026, qualquer decisão judicial que favoreça Bolsonaro pode ser utilizada como uma bandeira de sua campanha, especialmente se conseguir transformar uma acusação em um argumento de perseguição política.
Em suma, a decisão do TCU não resolve o caso das joias sauditas, mas certamente adiciona uma nova camada de complexidade ao cenário. Ao recusar-se a legislar sobre a destinação dos presentes, o TCU deixou em aberto uma questão que pode ser explorada tanto pela defesa de Bolsonaro quanto por seus opositores. A batalha jurídica está longe de terminar, e as repercussões dessa decisão ainda serão sentidas nos próximos meses.