A recente análise de inquéritos relacionados às milícias digitais e às fake news levantou novas questões sobre a transparência das investigações conduzidas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. De acordo com uma análise realizada pelo jornal *O Estado de S. Paulo*, que examinou quase 7 mil páginas de documentos públicos, constatou-se que os inquéritos não mencionam pedidos específicos feitos pelo ministro ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a produção de relatórios, mesmo quando essas solicitações foram parte crucial do processo investigativo.
No inquérito das milícias digitais, o órgão especializado do TSE, a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), foi responsável pela criação de relatórios que embasaram as investigações. No entanto, tais documentos não aparecem nos autos públicos, o que coloca em dúvida a transparência das ações conduzidas. Já no inquérito das fake news, embora o TSE seja mencionado, também não há detalhes que esclareçam que as ordens para a produção dos relatórios partiram diretamente do gabinete de Moraes.
A situação se agravou após uma reportagem da *Folha de S. Paulo*, publicada em 13 de agosto, revelar que Alexandre de Moraes teria solicitado, de maneira não oficial, ao TSE, a produção de informações para embasar decisões contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro. Esse movimento gerou uma onda de críticas por parte de juristas e especialistas, que questionaram a falta de transparência e a ausência de documentação formal que comprovaria essas ordens.
Alexandre de Moraes, em resposta às alegações, afirmou que, durante o curso das investigações, foram feitas inúmeras solicitações a diversos órgãos, incluindo o TSE. Ele justificou que os relatórios produzidos pela AEED eram meramente descritivos, focados em mapear postagens ilícitas nas redes sociais relacionadas às milícias digitais. Além disso, o ministro destacou que essas informações foram anexadas ao processo e enviadas à Polícia Federal, com conhecimento da Procuradoria-Geral da República (PGR), para a continuidade das investigações.
Ainda assim, juristas ouvidos pelo *Estadão* acreditam que a ausência de menções claras à participação do TSE nos inquéritos prejudica as partes investigadas e compromete a legitimidade das ações do STF. Luiz Gomes Esteves, professor de direito no Insper, ressaltou que a transparência nos processos judiciais é essencial, especialmente em investigações de grande relevância nacional. Para ele, a falta de documentação que evidencie as solicitações do ministro ao TSE cria um problema significativo, especialmente porque as pessoas investigadas precisam ter pleno acesso ao material utilizado contra elas.
Outro ponto de crítica foi levantado por Gustavo Badaró, professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP). Ele argumentou que, para manter a transparência e a integridade do processo, todos os pedidos de relatórios feitos ao TSE deveriam ter sido formalmente registrados nos autos. Badaró destacou que a própria requisição deveria constar no inquérito, com um ofício documentando a solicitação de informações ao órgão eleitoral. Ele ainda criticou o fato de que o próprio Moraes, ao atuar simultaneamente como ministro do STF e presidente do TSE, realizou pedidos informais de relatórios, comprometendo a imparcialidade e o rigor do processo investigativo.
Nessa linha, o criminalista Alberto Toron também expressou preocupações com a falta de transparência no processo. Para ele, o fato de que os relatórios do TSE apareceram como se fossem espontâneos, quando na realidade foram resultado de uma ordem do ministro, demonstra uma perda de imparcialidade nas ações de Moraes. Toron destacou que, ao acumular funções tanto no STF quanto no TSE, Moraes estaria exercendo um poder exacerbado, sem os devidos freios que garantiriam a lisura e a impessoalidade de suas decisões.
Outro aspecto que merece atenção, segundo os juristas, é a possível extrapolação das competências do TSE. A Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, como o próprio nome indica, deveria se limitar a questões relacionadas ao processo eleitoral. No entanto, ao fornecer relatórios para investigações criminais não diretamente ligadas ao pleito, como no caso das milícias digitais, o TSE pode ter atuado além de suas atribuições constitucionais. Essa interpretação sugere que a atuação de Moraes e do órgão eleitoral nessas investigações não foi apenas controversa do ponto de vista da transparência, mas também pode ter ultrapassado os limites da legalidade.
O jurista Luiz Gomes Esteves reforçou a importância de separar as competências do TSE e do STF, especialmente em um contexto tão delicado quanto as investigações sobre desinformação e crimes digitais. Ele alertou que é preciso verificar se os pedidos de relatórios e as investigações conduzidas por Moraes, em seu papel de relator dos inquéritos e presidente do TSE, estavam devidamente alinhados com as funções de cada órgão. Caso contrário, o ministro poderia ser acusado de agir de forma parcial ou de extrapolar sua autoridade.
Esses novos questionamentos trazem à tona o delicado equilíbrio entre o combate à desinformação e a proteção das garantias processuais. À medida que as investigações avançam, a pressão por maior transparência e rigor jurídico sobre as ações do ministro Alexandre de Moraes continua a crescer, colocando em foco a necessidade de reformulação das práticas no Judiciário brasileiro.