Gilmar deixa escapar o "medo" com PEC que pode atingir diretamente ministros do STF


 O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), manifestou dura crítica à Proposta de Emenda à Constituição (PEC 8/2021), que tramita no Congresso Nacional e pretende permitir ao Legislativo anular decisões monocráticas dos ministros da Suprema Corte. A PEC ganhou relevância na última semana ao avançar na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, suscitando um debate intenso entre os poderes.


Segundo o ministro Gilmar Mendes, a proposta fere gravemente o princípio da separação dos poderes e configura uma interferência desproporcional no Judiciário. Ele não hesitou em classificar a PEC como um retrocesso democrático e afirmou que ela deveria ser rechaçada pelo Congresso. Em tom irônico, Mendes comentou que a proposta é tão absurda que não deveria sequer avançar dentro do próprio Legislativo.


"Não acredito que essa proposta passe pela porta, que algum contínuo no Congresso não vá barrar essa proposta, porque ela é tão extravagante, que é uma estrovenga", disse Gilmar Mendes, criticando o que considera uma tentativa de limitar a atuação independente do STF.


O ministro também trouxe à tona um episódio da história brasileira para ilustrar o quão problemática seria a aprovação de uma medida como a PEC 8/2021. Ele relembrou que, durante o regime ditatorial de Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945, a Constituição daquele período permitia ao Congresso Nacional revogar decisões da Suprema Corte. Mendes destacou que a existência de tal dispositivo naquela época simbolizava um controle do Judiciário que não cabe em um regime democrático.


"Isso já existiu no Brasil, na Constituição de 1937, a carta de Getúlio Vargas, que dizia que o Congresso poderia derrubar medidas aprovadas pelo Supremo. (…) Mas isso é de tão triste memória, que a gente nem deveria lembrar disso. É um vexame que estejamos discutindo isso num país democrático", afirmou o ministro, evidenciando a gravidade da discussão atual à luz dos princípios democráticos.


As decisões monocráticas, alvo da PEC, são aquelas proferidas individualmente por um ministro do STF, sem a necessidade de consulta ou deliberação conjunta com os demais membros da Corte. Atualmente, elas desempenham um papel fundamental na celeridade do processo judicial, permitindo que questões urgentes ou delicadas sejam decididas sem a demora que envolveria a convocação do plenário.


O texto da PEC, que teve origem no Senado Federal, argumenta que decisões de um único ministro não deveriam ter o poder de suspender leis ou atos dos poderes Executivo e Legislativo, como frequentemente ocorre. Entre os casos mais notórios que alimentam o debate está a atuação do ministro Alexandre de Moraes, cujas decisões monocráticas têm impactado diretamente questões envolvendo o Executivo e o Legislativo nos últimos anos.


A PEC 8/2021 reflete, em parte, uma insatisfação crescente de alguns parlamentares e setores da sociedade com o que consideram uma atuação excessivamente política de determinados ministros do STF. Em várias ocasiões, o Supremo suspendeu leis e atos presidenciais, o que para alguns críticos representa uma extrapolação das funções judiciais. No entanto, para defensores do STF, essas intervenções são essenciais para a manutenção dos princípios constitucionais e para a garantia dos direitos fundamentais.


Apesar do avanço na CCJC, a PEC ainda enfrentará um longo caminho antes de se tornar parte da Constituição. A proposta deverá ser debatida e votada em dois turnos tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, e precisa de uma maioria de três quintos em ambas as Casas legislativas para ser aprovada. Isso significa que, embora a proposta tenha ganhado fôlego, ainda há incerteza sobre o seu futuro.


Juristas e especialistas em Direito Constitucional têm se posicionado contra a PEC, argumentando que ela atenta contra a independência do Poder Judiciário e desestabiliza o equilíbrio entre os três poderes. A Constituição de 1988, que rege o Brasil atualmente, foi elaborada justamente para evitar o retorno a práticas autoritárias como as que marcaram períodos anteriores da história política brasileira. Nesse sentido, muitos veem a PEC 8/2021 como uma ameaça ao sistema democrático vigente.


A reação de Gilmar Mendes se soma a essa série de críticas, refletindo a preocupação de membros do Judiciário com o impacto que uma medida desse tipo teria na estabilidade das instituições brasileiras. Ele destacou que o STF desempenha um papel crucial na proteção dos direitos constitucionais e que a limitação das decisões monocráticas enfraqueceria a capacidade da Corte de agir rapidamente em situações emergenciais.


Enquanto o debate continua, o avanço da PEC coloca em evidência o delicado equilíbrio entre os poderes e a constante tensão em torno do papel do Supremo Tribunal Federal no cenário político do Brasil. O desfecho desse embate, sem dúvida, será um marco importante na trajetória institucional do país.
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