O direito penal brasileiro tem sido alvo de críticas cada vez mais intensas, especialmente em casos que envolvem figuras públicas e decisões judiciais que geram polêmicas na opinião pública. Um dos episódios mais recentes a chamar atenção foi uma discussão acirrada sobre a interpretação do Código Penal, quando um jurista e um jornalista, ao abordarem um tema relevante no âmbito jurídico, acabaram protagonizando uma situação que muitos consideraram um verdadeiro "massacre" do Direito Penal. A situação envolveu um debate na GloboNews, onde o ministro Gilmar Mendes, conhecido por suas posições contundentes, se viu em uma situação desconfortável.
No centro da discussão estava a questão de se planejar um crime pode ser considerado um crime em si. Para muitos estudantes de Direito e profissionais da área, a resposta a essa questão é clara: planejar um crime, por si só, não é um ato ilícito. Essa distinção entre cogitação, atos preparatórios e execução de um crime é fundamental para a compreensão do direito penal. O que a lei pune, conforme estabelecido, é a execução do crime, e não os preparativos ou pensamentos que antecedem o ato. A cogitação, que se refere aos pensamentos sobre cometer um crime, não é punível. Os atos preparatórios, como adquirir instrumentos para a prática criminosa, também não são, salvo quando levam à execução do crime.
O debate na GloboNews, contudo, expôs uma visão equivocada sobre o assunto. Durante a primeira parte do programa, um jornalista, que claramente não dominava os fundamentos do Direito Penal, questionou aspectos cruciais da legislação. Sua argumentação errônea sobre o tema, além de revelar falta de compreensão sobre a distinção entre cogitação e execução, acabou gerando um mal-estar entre os especialistas presentes. A postura do jornalista foi amplamente criticada nas redes sociais e por profissionais do direito, que apontaram a superficialidade e a falta de preparo para discutir questões tão complexas.
Na segunda parte do programa, a situação piorou. Um juiz, que aparentava ter algum conhecimento jurídico, tentou se desviar do cerne da questão, fazendo acrobacias retóricas para evitar afirmar o óbvio: planejar um crime não é crime. Embora ele tenha tentado justificar sua posição com base em interpretações controversas, o próprio entendimento jurídico e a legislação vigente refutam qualquer tentativa de transformar a cogitação em um ato punível.
O jurista André Marsiglia, conhecido por sua expertise no Direito Penal, foi um dos principais críticos da discussão. Em suas declarações, Marsiglia enumerou quatro pontos cruciais para esclarecer a questão. O primeiro ponto aborda a ausência de crime quando não há início de execução. Segundo ele, se os documentos ou provas não indicam que houve qualquer ação que levasse à execução de um crime, não há razão para considerar que houve crime. Cogitar sobre algo sem colocar em prática é perfeitamente lícito, e é necessário separar a fantasia da realidade na interpretação da lei.
O segundo ponto levantado por Marsiglia é o fato de que os eventos discutidos no caso em questão ocorreram em 2022, o que implica que não há ameaça iminente ou presente que justifique ações drásticas, como a decretação de sigilo e medidas de força. Para o jurista, a pressa em adotar medidas extraordinárias sem a devida justificativa contraria o princípio do devido processo legal, que garante a observância dos direitos dos indivíduos durante qualquer procedimento judicial.
O terceiro ponto destacado foi a violação da presunção de inocência, um princípio basilar do Direito Penal. Para Marsiglia, ignorar esses princípios e tomar decisões precipitadas apenas com base em suposições é uma afronta à Justiça e um erro grave no tratamento das pessoas envolvidas no caso. Ele acredita que, sem a devida comprovação de um crime consumado, não há justificativa para ações punitivas.
Finalmente, Marsiglia destacou que, no caso mencionado, o ministro Alexandre de Moraes não deveria atuar como juiz, pois ele próprio seria considerado uma das vítimas envolvidas no processo. A falta de imparcialidade seria um motivo suficiente para que ele não fosse o responsável pela condução do caso. De acordo com o jurista, a situação é ainda mais complicada quando se trata de figuras públicas, que, por sua prerrogativa de foro privilegiado, acabam sendo julgadas em instâncias superiores. Marsiglia sugeriu que, caso não houvesse a prerrogativa de foro, o caso deveria ser tratado de maneira distinta, sem envolver o Supremo Tribunal Federal, onde as decisões muitas vezes são influenciadas por questões políticas.
Esse episódio levanta uma questão crucial sobre a interpretação do direito penal e a forma como questões jurídicas são discutidas na mídia. Muitas vezes, questões que envolvem o direito penal se tornam polêmicas não por uma falta de clareza na legislação, mas pela forma como são interpretadas e expostas ao público. Quando figuras públicas, como ministros e jornalistas, se envolvem em debates sobre o tema, é fundamental que haja um maior cuidado com a precisão das informações, para que o público não seja induzido ao erro e para que a justiça prevaleça de acordo com os princípios estabelecidos pelo ordenamento jurídico.
A mera cogitação de um crime não é punível, diz o ministro do STF, Gilmar Mendes. "Em se tratando de crimes contra a segurança nacional, a legislação é mais severa. Não se pode banalizar a expressão ‘pensar em matar alguém’. Não se trata de mero ‘cogitaço’. Estamos em um plano de… pic.twitter.com/wbzvKgdPqj
— GloboNews (@GloboNews) November 19, 2024