O Superior Tribunal Militar (STM) se encontra diante de uma situação inédita e complexa, ao se preparar para lidar com uma investigação que envolve figuras de alta patente do Exército e até mesmo um ex-presidente. A Polícia Federal apura um suposto complô para anular as eleições de 2022, com oficiais de alta patente entre os principais envolvidos. Os nomes citados incluem o general Braga Netto, que foi candidato a vice-presidente, o general Paulo Sérgio de Oliveira, ex-ministro da Defesa, e o ex-presidente Jair Bolsonaro. O caso, atualmente sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal (STF), poderá ter repercussões significativas no STM, já que, em caso de condenações superiores a dois anos, caberá ao Tribunal Militar decidir sobre a perda das patentes dos militares envolvidos.
Um aspecto que tem intrigado observadores é que um dos juízes do STM, o general Guido Amin Naves, recentemente indicado ao tribunal, esteve diretamente envolvido em eventos relacionados à crise eleitoral. A nomeação de Naves para o STM ocorreu no último dia 4, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o designou para substituir o general Lúcio Mário de Barros Góes, que está prestes a se aposentar. Com uma longa carreira no Exército, Naves ocupa atualmente o posto de comandante militar do Sudeste e, em 2022, era o chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército (DCT), tendo sido figura ativa em momentos críticos da crise política.
Durante o período eleitoral, Naves participou de eventos estratégicos e de discussões dentro do governo Bolsonaro. Após o segundo turno das eleições, quando o então presidente Bolsonaro ainda resistia em reconhecer a derrota, manifestantes se aglomeraram em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília, pedindo uma intervenção militar. Nesse contexto de alta tensão, o Ministério da Defesa apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um relatório que, embora não indicasse fraudes no sistema de votação, também não descartava possíveis irregularidades, o que acabou alimentando ainda mais o clima de desconfiança. Este relatório foi elaborado por equipes diretamente subordinadas ao departamento de Naves, que, à época, teve participação em reuniões no Palácio do Planalto com o então presidente Bolsonaro, Braga Netto e Paulo Sérgio.
A nomeação de Guido Amin Naves ao STM gerou questionamentos devido à sua proximidade com o governo anterior, mas foi pautada por critérios de antiguidade e confirmada após análise do Planalto. Descrito como um oficial técnico e discreto, Naves é considerado um militar alinhado com os valores da instituição e conhecido por seu perfil reservado, sem histórico de envolvimentos públicos com políticas ou debates partidários. O Exército emitiu uma nota sobre sua nomeação, enfatizando que o trabalho de Naves sempre foi guiado por critérios técnicos, com foco em aprimorar a segurança e a transparência do processo eleitoral, e que, mesmo no cargo de chefe do DCT, sua atuação permaneceu essencialmente técnica.
Nos bastidores, é sabido que Lula foi informado sobre o histórico de Naves e, apesar de ter recebido detalhes de sua participação nos eventos de 2022, não demonstrou resistência em relação à sua indicação. A decisão de colocá-lo no STM teve como base uma análise do Ministério da Defesa, que ressaltou o compromisso de Naves com as diretrizes técnicas da instituição. A escolha de Lula é vista por alguns analistas como um movimento estratégico, demonstrando que o governo busca manter a estabilidade nas Forças Armadas e, ao mesmo tempo, reforçar a separação entre as atividades políticas e as responsabilidades técnicas dos militares.
Antes de assumir seu lugar no STM, o general Naves ainda será submetido a uma sabatina no Senado. Ele já sinalizou que está pronto para esclarecer quaisquer dúvidas sobre sua atuação e reiterou, por meio de assessores, que sempre desempenhou suas funções com base em preceitos técnicos e sem qualquer viés político. A sabatina no Senado é um procedimento protocolar, mas espera-se que este processo se transforme em um momento de esclarecimento sobre seu envolvimento nos episódios de 2022.
Enquanto isso, o STM se prepara para enfrentar um processo potencialmente inédito em sua história, com oficiais de alta patente no centro das investigações. Se o STF condenar algum dos militares investigados a penas superiores a dois anos, caberá ao STM tomar a decisão final sobre a perda das patentes, o que pode levar a uma reestruturação sem precedentes na hierarquia militar. A presença de Naves como um dos juízes do STM pode adicionar uma camada extra de complexidade a essa situação, dado que ele foi parte integrante do contexto que agora está sob investigação. Resta saber como o Tribunal Militar lidará com esse caso e até que ponto Naves poderá ou não participar dos julgamentos que envolvam figuras com quem ele compartilhou eventos críticos.
A expectativa é de que, nos próximos meses, o cenário ganhe novos desdobramentos, com o STM assumindo um papel de destaque no desfecho desse caso. Observadores políticos e especialistas em direito militar acompanham de perto o desenrolar das investigações, que poderão ter implicações duradouras para a relação entre as Forças Armadas e a democracia brasileira.