A possível volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos tem gerado crescente apreensão no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente com a aproximação das eleições americanas. Em Brasília, diplomatas e autoridades estão de olho nos desdobramentos do cenário político norte-americano, com preocupações que vão desde a agenda climática até a influência de figuras como Elon Musk, um aliado declarado de Trump. Além disso, há temores sobre o impacto da ascensão de grupos políticos de direita no cenário internacional, que poderiam pressionar o Brasil a seguir um caminho mais alinhado aos valores nacionalistas e conservadores promovidos por Trump.
Na última sexta-feira, o presidente Lula expressou publicamente seu apoio à vice-presidente Kamala Harris, ao mesmo tempo em que dirigiu críticas contundentes a Trump. Em suas declarações, Lula acusou o ex-presidente de encabeçar o que ele chamou de “ressurgimento do nazismo e fascismo com outra cara”. Essas palavras refletem a preocupação do governo brasileiro com o retorno de um líder que, na visão de Lula, representa ameaças às conquistas democráticas e à estabilidade internacional. Embora a relação entre Lula e o atual presidente dos EUA, Joe Biden, não seja próxima, é vista como funcional. Fontes do Itamaraty indicam que essa relação, ainda que fria, se mantém diplomática e colaborativa, ao contrário do ambiente potencialmente hostil que se desenharia caso Trump voltasse ao poder.
A cooperação ambiental é uma das maiores preocupações do governo Lula no contexto dessa possível mudança na liderança norte-americana. O Brasil se prepara para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP) em Belém no próximo ano. Com a conferência, o governo brasileiro vislumbra uma oportunidade de consolidar sua liderança em questões ambientais e fortalecer o Fundo Amazônia, com uma esperada contribuição de US$ 500 milhões, prometida por Biden. No entanto, o apoio financeiro ainda está em análise no Congresso dos EUA, e a possibilidade de uma vitória republicana, especialmente com Trump e uma eventual maioria no Senado, lança incertezas sobre a liberação desse valor. Diplomaticamente, há o receio de que uma nova administração republicana interrompa os compromissos assumidos e adote uma postura de desinteresse em relação à preservação ambiental, colocando em risco os planos do governo Lula para a Amazônia e dificultando colaborações futuras.
Outro elemento de tensão é a figura de Elon Musk, que, além de sua influência empresarial global, tem se posicionado como um aliado de Trump. Em uma eventual volta do ex-presidente à Casa Branca, Musk poderia desempenhar um papel ainda mais ativo no governo, seja formalmente, em algum cargo, ou de maneira indireta, influenciando políticas e decisões que impactem o Brasil. A posição de Musk como líder de empresas estratégicas, como o Twitter e a SpaceX, poderia dar respaldo a políticas de comunicação e segurança em linha com a administração Trump, criando desafios para o Brasil e outros países que defendem uma internet aberta e livre de censura política.
Além dessas questões, a possível volta de Trump também é vista como uma ameaça à diplomacia brasileira em temas de direitos humanos e liberdade de expressão. Com a recente escalada de críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao seu papel no combate a desinformação, figuras políticas americanas ligadas a Trump têm apontado o Brasil como um exemplo de autoritarismo judicial. Há o temor de que um novo governo republicano adote sanções ou restrições de entrada nos Estados Unidos a autoridades brasileiras ou que imponha outras penalidades contra o país, caso perceba o STF como uma entidade que limita a liberdade de expressão no Brasil.
No cenário de uma nova presidência Trump, diplomatas brasileiros projetam um contexto mais isolado para o Brasil, dificultando a busca por apoio internacional para agendas progressistas, tanto no campo ambiental quanto no campo dos direitos humanos. A administração de Lula, que busca fortalecer sua imagem de defensor da democracia e da justiça social, teme que o alinhamento dos EUA a políticas nacionalistas e conservadoras de Trump possa atrapalhar esses objetivos. Além disso, a visão de Trump sobre temas globais, marcada pelo conservadorismo e pela defesa de valores nacionalistas, promete endurecer o diálogo entre os dois países e comprometer os avanços recentes em questões ambientais e de cooperação diplomática.
Os desdobramentos dessa situação continuam a ser acompanhados de perto em Brasília. Nos bastidores, o Itamaraty tem reforçado contatos com outros países e explorado alianças estratégicas, caso o apoio dos EUA se mostre menos confiável no futuro. A possibilidade de um novo governo Trump coloca em evidência o papel do Brasil no cenário internacional e desafia o governo Lula a encontrar formas de fortalecer sua diplomacia e a buscar apoios alternativos para garantir o avanço de sua agenda.
Em um cenário de incertezas, a administração de Lula se prepara para os possíveis impactos de uma vitória republicana em Washington. A relação entre Brasil e Estados Unidos está em um ponto de transição, em que as decisões políticas de ambos os países nos próximos meses poderão redefinir o futuro das relações bilaterais.